O que já podemos fazer agora para antecipar as mudanças que estão vindo e que estão tornando obsoletos os nossos sistemas educacionais?
Quando se faz esta pergunta, as pessoas pensam logo em um novo tipo de escola. E então retrucam: como vocês organizariam uma (nova) escola?
A resposta, depois de tudo que vimos neste curso é clara: bem… nós não organizaríamos. Escola, escola, não! As razões já foram expostas em numerosos textos que estudamos, de pensadores heterodoxos da educação que, se tivessem sido seguidos, não levariam à educação que temos. Não custa rememorar os mais importantes:
TOSLTOI, Liev (1862). Da instrução popular
ROGERS, Carl (1961). Reflexões pessoais sobre ensinar e aprender.
ROGERS, Carl (1980). Para além do divisor de águas: onde agora?
HOLT, John (1989). Aprendendo o tempo todo
ILLICH, Ivan (1970). Sociedade sem escolas
KRISHNAMURTI, Jiddu (1964). A mente sem medo
MATURANA, Humberto (1993). Conversações matrísticas e patriarcais
MATURANA, Humberto (1982). Aprendizagem ou deriva ontogênica
Mas se alguém nos perguntasse como configurar um ambiente (inovador) de aprendizagem, nossa resposta também seria simples. Proporíamos um conjunto de eventos, simultâneos ou sucessivos (que poderiam se repetir periodicamente – se fosse o caso, quer dizer, se houvesse interesse ou desejo dos interagentes).
Basicamente seria mais ou menos assim. Para começar, quatro tipo de eventos:
Feira de Ciências | As feiras de ciências já são conhecidas, sobretudo nos Estados Unidos, onde têm mais tradição nas escolas, mas isso pode ser feito em qualquer lugar. As pessoas se juntam para investigar qualquer coisa que queiram conhecer mais profundamente e os resultados da investigação conjunta são então apresentados a todos que estão participando do evento e a convidados. O esforço propriamente científico resulta numa nova explicação baseada em observação sistemática e investigação segundo o chamado método científico aceito (que não se reduz ao chamado método experimental mecanicista e sem excluir outros procedimentos que possam ser apreciados objetivamente e reproduzidos por terceiros). Pode haver também o desenvolvimento e apresentação de novas tecnologias a partir dos conhecimentos obtidos, mas a feira de ciências não deveria se transformar em feirão de geringonças ou de construção de artefatos.
Oficina de Artes | As pessoas apresentam e compartilham suas criações artísticas, individuais e, de preferência, coletivas. Cada oficina dura o tempo suficiente para as pessoas criarem coletivamente qualquer coisa, sempre em diferentes grupos.
Festival de Ideias | As pessoas apresentam suas ideias e colocam-nas para namorar com outras ideias, as ideias congruentes se juntam e, a partir daí, são cocriadas pelos seus autores para virarem projetos realizáveis. O processo se baseia em cocriação interativa e vai resumido a seguir. Pessoas que têm ideias nascidas de seus desejos vão para um lugar encontrar outras pessoas que também têm ideias nascidas de seus desejos. Ao chegar lá essas pessoas conversam umas com as outras, contam quais são as ideias que estão a fim de concretizar e a partir daí formam-se grupos dos interessados em desenvolver algumas dessas ideias. Como são várias ideias, formam-se vários grupos. E como uma ideia, em geral, não vira um projeto em uma única sessão, esses grupos tornam a se encontrar para continuar desenvolvendo as ideias em que estão trabalhando. E daí constituem (ou não) comunidades de projeto estruturadas em rede. Atenção: é tudo para valer. Daí podem surgir startups, iniciativas sociais e, até, iniciativas públicas de desenvolvimento local.
Virada Cultural | Vale quase tudo. Organizam-se múltiplas apresentações de dança, canto, declamação de poesias, leituras compartilhadas, contação de causos, concertos, coros, bandas, jogos, gincanas etc. É festa.
Mas tudo aqui é festa, quer dizer, não é atividade rotineira cacete.
Se esses eventos forem distribuídos no tempo, haverá sempre atividade interativa. Ou seja, haverá sempre oportunidade de livre-aprendizagem. Porque as pessoas têm que criar ou inventar para aprender. E têm que fazer isso interagindo, em rede: ou seja, têm que se livrar do heterodidatismo para abraçar o alterdidatismo.
Como se pode perceber, esse sistema de eventos de criação-aprendizagem não seria propriamente uma escola. Seria mais uma não-escola, no sentido de que não seria uma burocracia do ensinamento.
Uma coisa importante para tudo isso funcionar. Os eventos seriam abertos a qualquer pessoa, independentemente da idade e da escolaridade (dos graus, certificados, diplomas). Tem que entrar água nova continuamente, quer dizer, novas pessoas. Somente a entrada de novas pessoas pode impedir que o fluxo seja aprisionado gerando uma instituição hierárquica (como uma escola, por exemplo) – o que matará a criatividade e a inovação.
Ou seja, não se trata de inventar novos conteúdos para transmitir, nem de elaborar novas grades curriculares. E sim de desenvolver aquelas capacidades tipicamente humanas, que as máquinas inteligentes do futuro não poderão desempenhar. Trata-se de ensejar que os aprendentes possam aprender a aprender e continuar aprendendo o tempo todo, quer dizer, se adaptando às mudanças do meio e, de certo modo, criando esse meio a partir de uma perspectiva humana (e não sobre-humana, extra-humana ou desumana).
Se você quer saber as razões desta resposta, leia de novo os textos Imperfexia e A livre-aprendizagem na sociedade-em-rede.
Mas se você quiser saber como, concretamente, criar os ambientes de aprendizagem sugeridos acima, aguarde o próximo programa.
Um forte abraço da
Equipe Humana-Social