Caminhos para estabelecer uma ligação entre a psicoterapia e a mudança social
Este é um dos mais importantes textos de James Hillman para entender a revisão que faz do conceito de Self a partir das idéias da Psicologia Arquetípica. Aqui, Hillman desdobra com maior precisão uma idéia que já havia apresentado no livro “Cem anos de psicoterapia e o mundo continua cada vez pior”, ou seja, reimaginar o Self como “a interiorização da comunidade”. Este é o momento da Anima Mundi, uma nova reviravolta no pensamento de Hillman com a criação de um discurso eco-político e um ataque inovador e furioso ao aspecto subjetivo e intrapsíquico existente em todas as psicoterapias. Uma crítica à ênfase hipervalorizada da subjetividade em detrimento dos problemas reais do mundo. Ao personalizar e subjetivar todas as questões do mundo, a psicoterapia acaba por despolitizar o sujeito, retirando-lhe a condição de cidadão. Hillman Também propõe uma nova releitura da Psicologia Arquetípica, ao afirmar que o que deseja neste momento, sustentado pela ideias presentes na retórica da Anima Mundi – beleza, estética, profundidade, interioridade, exercício político – é criar uma profunda psicologia da extroversão.
Originalmente, este texto foi um discurso durante o Jantar do Prêmio Cambridge, 17 de novembro de 1993.
Marcus Quintaes
“Na ideia há muito tempo apreciada de um indivíduo particular, o conceito de Self não é a prova d’água; é uma decepção”.
Vocês não podem imaginar o quanto eu me sinto honrado, porque vocês não podem imaginar o quanto eu fiquei surpreso ao ser comunicado desta noite. Foi, e ainda é, inacreditável. Terei sido sequestrado? Uma das minhas defesas tradicionais: eu tenho dificuldades em receber coisas. E é porque eu não recebo com facilidade que eu tenho que me explicar, explicar a vocês como a maior parte da minha vida e minha forma de pensar e a satisfação de escrever e a forma como desempenho minha profissão, tudo combinado para oferecer resistência contra as mudanças sociais e daí que esta premiação é um espantoso erro da parte de vocês. Vocês pegaram o homem errado.
O dilema implícito no seu título organizacional — psicologia e as mudanças sociais — requer, para melhor ou para pior, um pouco de história pessoal e de filosofia.
A ideia na qual eu mais eu acreditei na maior parte de minha vida, e meu trabalho, e na qual desde então tornei-me mais suspeito é a da individualidade, individualismo ou individuação. Não é curioso, que aquilo em que você mais acredita, é também o que você mais desconfia? Curioso que Confiança e Traição sejam aliados. Ou talvez não tão curioso para uma personalidade esquizo-paranoide.
Quando eu entrei em análise em 1953, eu fui completamente tomado pelas idéias de Jung sobre individuação, de um Self inerente dentro do seio que urge a cada ser humano que saia do envoltório coletivo para um destino individual — mais um exemplo de sentimentos e ideais apropriados a um intelectual de vinte e seis anos, frágil, esquizoide, que havia se mudado para a Europa logo após a dispensa pela Marinha e que havia vagado como um pré-hippie ou um estudante aventureiro pós romântico, passado por prisão domiciliar atrás da Cortina de Ferro, subido o Rio Nilo até as origens de sua nascente, e percorrido o Himalaia até os limites de Ladakh.
O sentimento de ser um Self à parte, particularmente reservado, protegido, abençoado — e ansioso — com crença numa força invisível ou numa sorte incomum para mim — chame-a de Puer Eternus, Complexo de Mãe, Arrogância americana, Privilégio branco, Personalidade de estrutura narcisística, ou a conjunção do Sol e da Lua em Áries — quem sabe?. Mas quão satisfatórias e congruentes eram as idéias de Jung de um Self individualizante que poderia propiciar um fundamento teórico e até mesmo teológico aos desesperos da nossa sensibilidade, infrequente, alienado e tão ativamente negada.
A idéia da individuação me privilegiou viver “meu próprio estilo” de obsessões mentais. É claro que eu fiz essas coisas que a minha família havia feito antes de mim, e que se costumava fazer nos anos cinqüenta — um grande casamento, quatro crianças, análises demoradas, clínicas, práticas, publicações — para manter e para alavancar a carreira — mas tudo isto era apenas uma capa da personalidade que manteve seguro e escondido o heróico isolamento de uma mente escrivinhadora que transformou a vida em fórmulas. Estas coisas “externas” eram apenas os necessários acompanhamentos ou as realizações — a esposa, os filhos, os pacientes — para o mais íntimo reduto dos pensamentos e imagens no espaço de si mesmo, o espaço da individuação.
A Suíça era o lugar ideal para isto: o estranho Giacometti, Honegger, Dürrenmatt e Max Frisch. Lenin havia ficado escondido perto de onde eu almocei; Dada foi fundado logo abaixo do morro; o apartamento de Wagner no outro lado do meu escritório; Nietzsche in Basel, Einstein in Berna, Paul Klee; Corbusier em Genebra — os bancos particulares secretos, cronometria, ferramentas de precisão — não alinhamento político, refúgio montanhoso para Rilke, Hesse, Kirchner, o exílio final e a sepultura de Thomas Mann, Joyce enterrado a cerca de 300 metros de onde eu dormia a noite, e é claro, Jung e a psiquiatria na Clínica Burgholzli de Zurique — Bleuler, Adolf Meyer, Binswanger, Rorschach — e por aí afora. Lembrem-se: foi em Zurique que a esquizofrenia foi inventada; e em Basel, o LSD.
Eu permaneci por lá até 1978, incapaz de diferenciar individuação de alienação.
Uma das mais apreciadas formulações que me sustentou durante a extrema introversão anti-social dos anos 50 e 60 era esta: Quando tudo desmorona, o que eu tenho no final das contas para sustentar a mim? Qual é a essência incontestável da qual se pode viver? A pergunta reflete um contexto social e político, o qual eu, imerso no individualismo, então não havia reconhecido. (A própria filosofia do individualismo resiste a ver o contexto social).
Agora, no entanto, eu vejo esta questão sobre o derradeiro apoio existencial que surgiu em minha vacilante personalidade suportando o colapso da análise e a loucura do casamento dentro do clima do término da Segunda Guerra Mundial e o mundo da guerra fria —o contexto dos fantasmas dos campos de concentração, os deslocados de guerra, e os acampamentos (Stalin morreu na semana em que tive a minha primeira hora de análise), filosofias do existencialismo, tanques na Hungria, guerras em Israel, a Baía dos Porcos, as cidades européias arruinadas, as cidades americanas incendiadas, os testes nucleares, abrigos anti bombas, precipitação radioativa, despensas Suíças estocadas com rações de emergência, os tumultos na Argélia e os tiroteios em Paris; Alabama, Arkansas, Mississipi; Coréia, Praga, prisões, evacuações, pânico, ruína, e o crescente horror do Vietnam, distante da Suíça.
O que aconteceria se eu fosse preso? O que cada um tem quando tudo está perdido e a alma está in extremis? Sozinha. Existe apenas o mundo interior de cada um de nós, o processo de individuação na alma revelando os significados de seu destino. Apenas as suas imagens permanecem. Apenas suas vozes interiores, somente os espíritos que vêm até você em sua cela. Nada mais pode ser confiável uma vez que nada mais é autenticamente e individualmente meu. Dentro estão os repositórios que legitimam a razão e justificam a ação — um centro individualizado, a única base de sustentação quando tudo o mais se foi. Então era assim que eu pensava; tal era a minha conclusão.
Este centro fixo, chamado de Self por Jung, e por muitas disciplinas religiosas e tradições filosóficas, também aparece na definição de herói por Emerson. O herói, diz Emerson, é aquele que é impassivelmente centrado. Emerson faz coro para uma antiga tradição, que floresceu no Protestantismo, e devotadamente mantida pela maioria das variantes da psicoterapia, a fé no individualismo heróico, no homem sozinho — e a mulher também — centrada numa centelha divina dentro do seio que guia, e pode até salvar. A pessoa certa, o herói, vive sempre impassivelmente centrado em sua centelha.
E — antes que nós terminemos esta noite, eu vou levantar sérias dúvidas sobre esta ontologia individualista que foi a minha fé e que permanece sendo a fé silenciosa da psicoterapia em geral.
Mas primeiramente, para aderir à nossa tradição terapêutica, eu irei trazer um caso de absoluto isolamento, um caso que estabelece exatamente nosso ponto sobre o Self que sustenta a alma in extremis. O caso do Sr. Liu Qing tal como foi relatado no “New York Times” em 30 de março de 1993, por Michael Kaufman.
O caso que estou usando deriva mais da patologia da cultura do que da patologia do indivíduo. Eu faço isto propositadamente para libertar a psicopatologia de seu cerco no Self individual onde ela é atribuída ao desenvolvimento, estrutura e reações da personalidade. Se nós, desta Sociedade, buscamos caminhos para estabelecer uma ligação entre a psicoterapia e a mudança social, devemos também repensar ”caso clínico”. Se desejamos liberar a psicologia em profundidade de seus limites na personalidade humana e retornar ao estudo da alma, logos , da psique, ao mundo maior além do humano, devemos também retirar nossos casos das patologias em culturas tais como a tortura das criaturas vivas, como o Sr. Liu Qing, por motivo das idéias doutrinárias na política, mas também na ciência, religião, medicina e na arte. O Sr. Liu cumpriu 11 anos na prisão Weinan nº2 na Povíncia de Shaanxi, onde por cerca de quatro anos e meio ele esteve literalmente centralizado de forma imóvel, forçado a permanecer sentado sem se mover, num banquinho com 8 polegadas de altura, das 8:00 até 12:00h, e das 13:30 até as 17:00h, e depois ainda até as 21:00h. Ele podia deitar-se a noite. “Não era permitido que eu me movesse ou que falasse com os prisioneiros que me vigiavam. Se eu o fizesse, levava uma surra”.
O que ensejou o artigo de Kaufman foi a aceitação pelo Sr. Liu, de um prêmio em nome de seu mentor, o Sr. Wei, um dissidente que ainda está numa prisão chinesa. Foi em razão das atividades do Sr. Liu e sua ligação com este mentor que o Sr. Liu foi colocado nesta cadeia e submetido a esta tortura. Quando foi solto ele se casou com a mulher que o esperou durante a prisão.
O Sr. Liu relata que enquanto ele sentava por todos estes anos no banquinho, olhando para uma parede, ele tentava se matar, não comendo, com jogos mentais, ele evocava visões de alimentos , ele contava os minutos, especulava sobre astronomia e buracos negros, e muitas outras coisas.
Agora um importante pedaço de informação: O Sr. Liu disse que freqüentemente considerou a idéia de escapar do banquinho, assinando uma declaração de auto-crítica. “Pessoas vieram de Beijing e me disseram que tudo o que eu teria que fazer para me assegurar um futuro de sucesso era assinar uma declaração afirmando que eu cometera alguns enganos nos meus pensamentos. Isto não envolveria nenhuma delação. Enquanto eu sentava alí eu pensava “É uma mentira, e eles sabem que é uma mentira, por que não fazê-lo e acabar com o sofrimento”. Mas então eu imaginava a chegada deles na minha cela, colocando o papel na minha frente e neste ponto eu sabia que não poderia fazê-lo”.
Vamos agora entender a notável persistência do Sr. Liu e sua recusa em assinar uma mentira, a partir das duas idéias contrastante de Self. Primeiramente da ontologia heróica do individualismo que eu já descrevi e depois a partir de uma definição de Self como sendo “a interiorização da comunidade”, a qual é introduzida, e apenas elaborada em forma de esboço em “Nós tivemos cem anos de psicoterapia e o mundo está ficando pior”. O que “dentro“ do Sr. Liu impediu que ele assinasse aquele papel? Em que o Sr. Liu confiava? E o Sr. Liu é apenas um dentre milhares de indivíduos isolados, mesmo enquanto estamos juntos sentados aqui, em cadeias similares, em situações semelhantes.
Uma clássica resposta freudiana seria: a ainda pequena voz do Self único anterior a todas as contingências. Este Superego, derivado diretamente das autoridades parentais introjetadas. Ele estabelece os padrões internos chamado de consciência. Uma clássica resposta junguiana seria: a voz fala como o famoso daimon de Sócrates. Ele não lhe diz o que fazer, mas o que não fazer, uma voz inibidora. Ela não chega a propor um ação correta, mas impede uma ação errada, desta forma evitando que uma pessoa se extravie mas que permaneça corretamente centrada. Esta é a verdade interna do arquétipo do herói. Da mesma forma como ela não induziu Sócrates a escapar da prisão, ela não pressionou o Sr. Liu a fazer uma falsa confissão para aliviar seu sofrimento.
Além das explicações freudianas e junguianas, existe uma terceira. Este ponto de vista se inicia do fato de que a recusa do Sr. Liu em assinar foi basicamente um ato imaginário. Ele imaginou o papel que iria assinar. Alguma coisa a ver com a imaginação, alguma coisa imaginária não permitiu a falsa confissão. Isto sugere que a imaginação pode ser uma força, até mesmo uma força moral, superior a contingências externas, porque — eu vou afirmar agora — ela supre uma comunidade de seres que não permitiriam que ele os traísse.
Estou tentando sugerir a vocês que o centro imóvel heróico é menos uma única partícula, uma réplica interna de um único Deus, do que um ethos grupal composto de imagos de seu também aprisionado mentor Sr. Wei, e da mulher que o esperava, sua esposa, e das figuras que incorporavam os princípios, ideais e valores que ele compartilhava, tal como imagos de Verdade, Justiça, Dignidade, Honra que na civilização clássica são configurados como pessoas com estátuas e altares, e talvez seus antepassados mortos do outro lado do túmulo assim como seus compatriotas dissidentes do outro lado da parede.
Essas figuras são presenças imaginárias. Mary Watkins as chama de “convidados invisíveis”. Eles não são pessoas de verdade cujos nomes o Sr. Liu poderia ter sido solicitado a trair. Apesar de “apenas” imaginárias, elas eram mais persuasivas do que seu sofrimento físico. Imagine-as como um pelotão interno, uma sociedade secreta, uma unidade tribal assim como um grupo de iniciação, uma companhia de mártires, uma cidade interna de antepassados e descendentes — e nós, ouvindo a história contada pelo Sr. Liu através do Sr. Kaufman, somos descendentes mais distantes e, de alguma maneira estranha, agora associados com esta companhia. Talvez seja por isto que é tão importante para a alma ouvir as histórias de coragem e de glória, de beleza e de fé, porque estas recordações heróicas e honoríficas fortalecem e alimentam — não os centros isolados e imóveis na imitação heróica — mas os convidados invisíveis. Por esta razão, Homero e as narrativas épicas da Bíblia mantém a civilização humana em andamento ao nutrir os espíritos desumanos. Eles parecem amar uma boa história; eles parecem gostar especialmente de ouvir sobre eles mesmos.
Esta interpretação da recusa do Sr. Liu convida a uma reflexão sobre a importância dos antepassados que lhe dão apoio. Como se pode observá-los no seu dia? A importância dos grupos aos quais você se junta, os amores que você curte, os mentores dos quais você aprende, as figuras que vocês veneram e a articulação de seus ideais. Você tem mantido os seus espíritos vivos? Até que ponto a forma como você vive seus ideais encoraja uma presença imaginária que poderia se tornar um membro de uma comunidade interior de uma pessoa, como a do Sr. Liu, in extremis? Como nos imaginamos a nós mesmos vivendo de forma tal a nos tornarmos membros do mundo espiritual, antepassados? E como esta questão tem ligação com a busca por ética que tanto absorve nosso mundo político?
A história do Sr. Liu ainda levanta uma questão para a psicologia. Como o Self aparece sob a forma de um fenômeno quando uma pessoa está mais sozinha? Desde Boethius jogado numa prisão no século sexto, ao Almirante Byrd no Polo Sul, aos reféns de olhos vendados no Líbano, existe muita coisa a se examinar com relação ao sistema de suporte interior do indivíduo isolado. Um explorador polar e um navegador solitário ao redor do mundo já relataram companhias imaginárias no meio de vastidões desabitadas.
Tantas são as novas implicações que começam a surgir e que poderiam me levar para tantas outras direções que eu tenho que convocar um dos dois necessários anjos de um escritor, o Deus da supressão (o outro é Fortuna, o Deus que nos faz tropeçar em algum tesouro). Apenas através da supressão poderemos chegar a um final. O final ao qual eu estou chegando nos leva de volta aos meus exemplos miseráveis e pouco profundos dos meus anos 50 e 60. Apesar de totalmente distintos em graus de coação, eu também, no meu individualismo alienado, estava atuando na interiorização de uma comunidade: minha primeira esposa e os nosso ideais; os ídolos dos mentores heróicos que eu colei nas paredes do meu banheiro; a comunidade dos companheiros de jornada junguiana de Zurique; as idealizações das minhas leituras espirituais e históricas, a imagem de Jung em sua torre e do orgulho estóico de Freud face à dor; os vultos que apareceram em meus sonhos; meus dois avós que ascenderam do fundo e escalaram a tocha da liberdade — isto é, aquilo que eu acreditava então que era meu Self individualizado, na verdade era uma multidão, uma sociedade imaginária invisível.
Se o meu raciocínio, retirado de minha patologia pessoal e o feito extraordinário do Sr. Liu forem à prova d’água, então nesta água estará dissolvida a idéia apreciada, talvez decepcionante, de um Self individual e particular. Nós nunca estamos sozinhos; não num confinamento solitário, não numa meditação contemplativa, não no leito da morte. Nenhuma torre e nenhuma parede podem manter os espíritos de fora — e também o autismo necessita de uma re-leitura.
Poderemos então re-imaginar a idéia de Self como o ponto focal ou o local exato de visitações e residências semi permanentes de habitantes mortos e vivos, tanto mais velhos do que nós quanto ainda não nascidos, tanto deste quanto de outros mundos — e interiorizações assim como as de várias comunidades às quais nós devemos fidelidade na vida diária. Comunidades, não apenas de pessoas, mas de valores, figuras, animais, ideais, lugares e coisas. A liberdade do indivíduo se torna o seu ou a sua maneira idiossincrática de interpretar o ethos deste grupo em qualquer situação particular na função completa da integridade pessoal justo no meio de maus tratos externos. A não aquiescência do Sr. Liu com a comunidade dos carcereiros e as autoridades de Beijing foi tornada possível por sua comunidade imaginária. Este Self combinado de várias vozes em vários quartos o mantiveram um homem livre em meio ao isolamento, degradação e dor.
O caso do Sr. Liu é político, e então nós somos obrigados a chegar a uma conclusão por psicologia política. A antiga polis foi fundada num culto a um herói morto. Eu costumava pensar que as proezas de um herói, como Hércules, tais como eram contadas nas narrativas e interpretadas em rituais e limitadas a uma geografia local, eram as fantasias inspiradoras para as cidades, servindo de base para novas histórias. Todos os cidadãos poderiam voltar, eu costumava pensar, às histórias e ritualisticamente interpretar de novo o mito da criação da sua polis e reivindicar sua descendência comum tal como de um ancestral totêmico. A comunidade derivada de um indivíduo heróico.
Agora eu acho que o contexto de qualquer comunidade faz o seu herói. “Faz” no sentido da palavra grega poiesis para construir mitos. O herói não originou a cidade. Foram os atos coletivos da cidade que a atribuíram a ele ou a ela, como um foco coletivo. O herói é menos um solitário manancial da polis e mais propriamente a “representação coletiva”, o vínculo personificado de sua alma. Seus cidadãos o fazem da mesma forma como ele os faz. Ele ou ela é a alma comum epitomizada como uma personificação individualizada. O herói é simplesmente a interiorização idealizada da comunidade — daí o herói cultuado estar sempre “morto”, isto é, interiorizado, não presente, vivo apenas como uma imagem, como imagem da comunidade, vivendo na cidade como a corporificação de seus ideais. Então Los Angeles achou o Sr. Reginald Denny para incorporar seus sentimentos de justiça e produzir a derrubada do tirânico chefe de polícia Sr. Gates.
Como nós imaginamos nossas cidades, como nós visualizamos seus objetivos e valores e realçamos sua beleza define o Self de cada pessoa desta cidade, pois a cidade é a exibição sólida da alma comum. Isto significa que você acha a você mesmo ao entrar na multidão — o que é o significado básico da palavra polis — fluxo e muitos. Para melhorar a você mesmo, você melhora a sua cidade. Esta idéia é tão intolerável ao Self individualizado que ele prefere a decepção do isolamento tranqüilo e do retiro meditativo como o caminho para o Self. Eu estou sugerindo o contrário. Self é o verdadeiro caminho, as ruas da cidade.
Eu gostaria de deixar esta última idéia de uma forma mais clara — mas ainda não está terminada. Fortuna me deixou tropeçando, e a Supressão diz “pare”. Mas a intenção de minha desconstrução do individualismo é uma exortação: nós nunca poderemos fazer o suficiente pela cidade, porque ela é, e assim tem sido desde os gregos, o heroico caminho do fazedor de alma. Que nossas cidades hoje em dia, nossa vida política, esteja nesta tal desordem resulta de um profundo erro psicológico: a internalização dos ideais do herói num culto a personalidade do Self individual que deixa a cidade sem alicerces e nossa psicologia terapêutica frustrada.
Obrigado a vocês por me premiarem com sua atenção. A atenção de vocês é o mais generoso dos reconhecimentos.
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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