HOLT, John (1989). Excertos do livro Aprendendo o tempo todo (Campinas: Verus Editora, 2006).
(1989)
Capítulo 1 – Leitura e escrita
Leitura e confiança
1 – Certa ocasião visitei uma família cuja filha mais nova, então com uns 5 anos, já havia algum tempo que eu não encontrava. Depois de medir-me de alto a baixo, por algum tempo e de longe, e tendo decidido que estava tudo bem comigo, aproximou-se e perguntou-me se eu podia “ajudá-la a ler”. Sem saber exatamente o que ela queria, respondi que sim. Ela pegou seu livro, um exemplar de Hop on Pop, do dr. Seuss, levou-me até o sofá e, quando eu já estava sentado, sentou-se também, aconchegou-se e começou lentamente a ler em voz alta. Aparentemente, a primeira coisa que ela tinha de fazer, antes que nosso trabalho começasse, era pôr-se em aconchegante contato físico comigo.
2 – Quero realçar aqui que a confiança teve de vir antes do toque. Tocar ou pegar uma criança que ainda não se tenha decidido a confiar em nós só pode fazer dela um ser mais arredio.
3 – A sala de aula típica — com outras crianças sempre prontas a apontar, corrigir e achincalhar cada erro cometido, e com professores que, voluntária ou involuntariamente, acabam também fazendo a seu modo o que os alunos fazem — é o pior lugar possível para uma criança começar.
4 – As crianças, como os adultos, leem se quiserem, o que quiserem, com quem quiserem e tanto quanto quiserem.
Descobrindo as letras
5 – Todo esse conhecimento de formas e números, ele o construiu para si a partir de sua própria experiência, por suas próprias razões. Ele realmente sabe disso e nunca o esquecerá. Isso é tão parte dele agora como o são seus braços e pernas. Ele não aprendeu isso para agradar a mim, embora o ato de mostrar-me que sabe possa agradar-lhe, tanto quando o soube como agora. Com grande, mas paciente curiosidade, espero pela próxima vez em que ele decida mostrar-me algo mais que aprendeu, neste escritório cheio de ocupações que ele é livre para explorar.
Explorando palavras
6 – Aprender a ler é fácil. E a maior parte das crianças o fará mais rápido, melhor e com mais prazer se cada uma puder fazê-lo por si mesma, sem ensino, sem ser testada e sendo auxiliada apenas se e quando pedir.
7 – Se uma criança me pedisse para lê-lo em voz alta, eu o faria, talvez passando o dedo sob as palavras enquanto as lesse. Embora, pensando bem, suspeite que algumas crianças tomariam isso por ensino e me fariam parar de fazê-lo. Se a criança perguntasse sobre essa ou aquela palavra, eu responderia. Caso contrário, deixaria a criança e o livro a sós.
Prontos para ler
8 – Uma analogia apropriada, e frequentemente verdadeira, pode ser encontrada no processo pelo qual crianças aprendem a falar, esse extraordinário desafio que todos nós vencemos antes que os adultos tivessem metido na cabeça a ideia de que poderiam nos “ensinar”. Crianças preparam-se para falar ouvindo falas ao redor. Um aspecto importante dessas falas é o fato de que os adultos, em sua maioria, não conversam com o propósito de dar às crianças um modelo. Eles conversam entre si porque têm coisas a dizer uns aos outros. Assim, a primeira coisa que o bebê intui e compreende sobre a fala dos adultos é que ela é séria. Adultos falam para fazer as coisas acontecerem. Eles falam e as coisas realmente acontecem. O bebê pensa e sente que se trata de uma atividade realmente séria, que vale a pena dominar.
9 – Quando era criança, ensinei a mim mesmo a ler, como muitas crianças fazem. Ninguém me ensinou e, tanto quanto sou capaz de me lembrar, ninguém me ajudou muito nem leu em voz alta para mim. Quando éramos um pouco mais velhos, uma avó lia alto para mim e para minha irmã, mas, então, já éramos exímios leitores. Ela lia os livros do dr. Dolittle, escritos por Hugh Lofting. Sentarmo-nos no sofá, ao lado dela, era um motivo de grande alegria para nós, principalmente porque ela lia aquelas histórias com grande seriedade, sem toques de sentimentalismo barato ou de condescendência com as crianças que éramos. E percebíamos isso porque ela lia sem quaisquer inflexões “engraçadinhas” e melosas na voz.
10 – […] assim percebi logo que, para entender o que significavam aquelas imagens, eu teria de ler os livros. Tratei logo de aprender.
11 – Além disso, sugeriria que se espalhassem no ambiente visual das crianças, tanto na escola como fora dela – e não somente nos anos que precedem a capacidade de leitura, mas também algum tempo após a aquisição desta -, todos os tipos de materiais escritos do mundo adulto. […] Em resumo, muitas daquelas “coisas do mundo adulto, onde aquela gente grande faz todas aquelas coisas misteriosas e interessantes”.
Inventando a roda
12 – Muitas crianças além de Paul— não tenho ideia de quantas — parecem ir da escrita para a leitura, não o contrário. Gnys at Wrk é o primeiro livro que li sobre as grafias inventadas pelas crianças.
13 – Organizando suas próprias tarefas, Paul era capaz de mantê-las em um nível desafiador. Ele não estava nunca contente em simplesmente repetir suas conquistas, mas espontaneamente avançava na direção de tarefas mais difíceis. […] Ele programou para si mesmo uma progressão de tarefas em níveis crescentes de dificuldade, como muitas outras crianças espontaneamente fazem.
14 – Isso é o que todas as crianças fazem quando crescem, até o momento em que vão para a escola. O que muito frequentemente acontece a todas é que, vendo os desafios das escolas como ameaças, o que, na maioria das vezes, de fato são — se as crianças falham na realização deles, correm o risco de ser humilhadas e mesmo castigadas fisicamente —, elas se afastam mais e mais do hábito de estimular a si mesmas, inclusive quando estão fora da escola: “As práticas inventivas de grafar palavras começam a partir do fato de que elas assumem que podem descobrir coisas por si próprias. Talvez seja por isso que muitas delas aprendem a ler antes da instrução formal”.
15 – Esse é exatamente o argumento central de Seymour Papert em Mindstorms. Quando crianças trabalhando com computadores cometem um “erro” — isto é, obtêm resultados diferentes dos que procuravam —, tendem a dizer, se são recém-chegadas da escola: “Está tudo errado”. E querem começar tudo do começo. Papert as encoraja a ver que não está tudo errado, que se trata de apenas uma coisa em particular que está errada. Utilizando a linguagem de computação, podemos dizer que existe um bug ou um passo errado no programa, e a tarefa consiste em fazer o de-bug, isto é, descobrir o passo errado, eliminá-lo e substituí-lo pelo passo correto.
Palavras em contexto
16 – A maior parte das pessoas não sabe como os dicionários são feitos. Cada novo dicionário começa do zero. As editoras que produzem dicionários empregam milhares de “editores”, e a cada um deles dão uma lista de palavras. O trabalho dos editores é coletar tantas ocorrências quantas forem possíveis dos diferentes modos pelos quais as palavras são realmente usadas. Eles procuram pelas palavras em livros, revistas, jornais, enfim, em todo tipo de material escrito. E, a cada vez que as encontram, recortam ou copiam aquele exemplo particular, construindo um arquivo de contextos nos quais a palavra tenha sido usada. É então, lendo esses arquivos, que eles decidem, a partir do contexto, o que o escritor em cada caso quis significar com a palavra. Só então constroem as acepções de cada uma. Um dicionário, em outras palavras, é uma coleção de opiniões de algumas pessoas sobre o que as palavras significam quando outras pessoas as usam.
17 – Para crianças — e também para adultos — que leem, o mais importante não é entenderem tudo que estão lendo. Ninguém entende: o que apreendemos de um trecho de leitura depende em grande parte da experiência que temos daquilo sobre o que estamos lendo. O importante é que as crianças curtam a leitura o bastante para quererem ler mais. A outra coisa importante é que elas deveriam se tornar cada vez mais capazes de extrair sentidos do contexto, porque essa é a suprema habilidade de um bom leitor. O problema em contar para as crianças o que as palavras significam, ou em pedir-lhes que procurem no dicionário, é que elas perdem a chance de imaginar o sentido da palavra. Descobrir o que não se sabe ou aquilo de que não se tem certeza é a maior de todas as habilidades intelectuais.
Fonologia concreta
18 – Também muitos anos atrás, antes que o lugar se tornasse chique e badalado, meus pais viveram em Puerto Vallarta, no México. Então, como agora, eles costumavam visitar uma pequena escola de ensino fundamental não muito distante de onde viviam. A professora ensinava leitura cantando. A escola era pobre. Agora está provavelmente cinco vezes mais rica, têm todos os mais recentes materiais disponíveis ao ensino de leitura e, provavelmente, cinco vezes mais problemas com leitura. A professora escrevia no quadro as palavras de uma canção — às vezes uma canção que todos conheciam, às vezes uma nova, há pouco ensinada—, e, à medida que ela ia apontando as palavras, as crianças cantavam-nas e, assim, aprendiam a ler.
19 – Mas dizer para as crianças coisas que não fazem sentido como se elas fizessem é estúpido. E causará uma grande e desnecessária confusão para a maioria delas.
20 – Essas duas pequenas coisas sem sentido e talvez não tão prejudiciais, assim como outras muito maiores e talvez mais prejudiciais de que falarei mais adiante, não foram inventadas por pais ensinando seus filhos. Foram inventadas por pessoas que tentaram transformar um ato cotidiano, natural e informal em uma “ciência” e um mistério.
21 – Não é necessário que as crianças sejam capazes de dizer essas regras para que possam compreendê-las e para que sejam capazes de usá-las. Nem é uma boa ideia tentar ensinar tais regras a elas, enunciando-as e tentando explicá-las. O meio de ensiná-las — desde que se insista em ensinar às crianças — é demonstrá-las por meio de exemplos simples e diretos.
22 – Tudo que temos a fazer é expor às crianças as duas ideias básicas da Fonologia: que as letras correspondem a sons e “produzem” sons; e que a ordem das letras corresponde á ordem com que são pronunciados os sons que formam as palavras.
23 – Não é assim que as crianças aprendem. Elas têm de conviver com uma ideia ou uma intuição por um certo tempo, deixar que ela passeie em alguma parte de sua mente, antes que possam, realmente, descobri-la, dizendo “Sim, agora entendo” e tornando posse dela por si mesmas. A menos que aprendam assim, a ideia nunca será mais que aprendizado de papagaio, superficial. E elas nunca serão capazes de fazer uso dela.
24 – Em todo caso, dificilmente alguma criança vai querer gastar muito tempo com coisas que se pareçam materiais instrucionais. Elas preferirão ocupar-se da leitura (e escrita) de palavras reais, palavras em um contexto vivencial e significativo. Não é necessário falar aqui sobre os modos de fazer isso. As pessoas que leem este texto agora certamente terão ideias próprias sobre como fazê-lo. Se lemos e escrevemos, as crianças também vão querer fazer essas coisas; se não fazemos essas coisas, elas também não vão querer fazer.
Como não aprender a escrever com o Big Bird
25 – De outras formas ainda poderíamos deixar claro para as crianças que escrever é uma extensão de poderes que elas já têm e que adquiriram por si mesmas, isto é, os poderes da fala. Deveríamos constantemente lhes recordar que elas descobriram sozinhas como entender os adultos a seu redor e como falar com eles, e que aprender a escrever e a ler textos escritos é fácil. Escrever é uma espécie de magia ou de Fala congelada, que o escritor pode usar, dia após dia, para dizer, a todos que olharem para ela, qualquer coisa que ele queira dizer. É uma extensão da voz do falante. A partir do momento em que as crianças percebem sua pequenez e desejam ser maiores e mais poderosas, a ideia de que, por meio da escrita, elas podem fazer suas vozes atingirem lugares muito distantes daquele em que se encontram pode ser muito estimulante para elas.
(Orto)grafando
26 – Ao longo de toda a minha carreira de professor, nada que eu tenha feito para ajudar foi tão efetivo quanto não fazer coisa alguma, exceto dizer-lhes para não se preocuparem com isso e seguirem lendo e escrevendo.
Capítulo 3 – Crianças e cientistas
Quebra-cabeças
27 – As crianças nascem apaixonadamente ansiosas por compreender tanto quanto puderem as coisas ao seu redor. O processo pelo qual elas transformam experiência em conhecimento é exatamente igual, ponto a ponto, ao processo pelo qual aqueles que chamamos de cientistas produzem o conhecimento científico. As crianças observam, imaginam, especulam e fazem perguntas a si mesmas. Conjeturam passíveis respostas, constroem hipóteses e teorias. Depois testam as teorias Formulando questões, fazendo observações posteriores, fazendo novos experimentos e lendo coisas novas sobre o que julgavam já saber. Então, modificam as teorias conforme a necessidade ou as rejeitam. E o processo continua. Isso é o que na vida “adulta’ chama-se de Método Científico, com M e C maiúsculos. E é precisamente isso que esses pequeninos seres começam a fazer tão logo nascem.
28 – Se tentarmos controlar, manipular ou desviar esse processo, nós o atrapalharemos. Se insistirmos por muito tempo em interferir, o processo estanca. O cientista independente que existe na criança, então, desaparece.
Produzindo nossas próprias conexões
29 – Isso não quer dizer que as crianças tenham de descobrir tudo sem nenhuma ajuda. Podemos ajudá-las de várias formas. Podemos, por exemplo, dispor organizadamente materiais diante delas, de forma a aumentar-lhes a possibilidade de descobertas. A verdadeira aprendizagem é um processo de descoberta, e, se quisermos que ela aconteça, devemos criar as condições típicas nas quais as descobertas ocorrem. Sabemos quais são. Elas incluem tempo, lazer, liberdade e ausência de pressão.
Pondo sentido no mundo
30 – Crianças não passam da ignorância ao conhecimento sobre um dado assunto num estalo, como uma lâmpada apagada que, de repente, se acende. Porque elas não adquirem conhecimento, mas o constroem. Como eu já disse anteriormente, elas criam conhecimento como os cientistas o fazem, observando, interrogando-se, teorizando e, depois, testando e revisando suas teorias. Ir da elaboração de uma teoria ao ponto de estar seguro de que ela seja verdadeira muitas vezes lhes toma muito tempo. Normalmente as crianças não têm consciência dos processos e dos métodos científicos que estão continuamente usando; não sabem que estão observando, teorizando, testando e revisando teorias. E ficariam surpresas e espantadas se lhes dissessem que estão fazendo essas coisas. Em algum momento do crescimento, suas mentes estão cheias de teorias sobre vários aspectos do mundo a seu redor incluindo a linguagem — que estão constantemente testando. Mas, a não ser por meio de sua própria existência e de seu comportamento, elas não são capazes de nos dizer o que são essas teorias. Não podemos ajudar esses processos do inconsciente, interferindo neles. Mesmo quando estamos nos esforçando ao máximo para sermos úteis, dando assistência e tentando melhorá-los, nós só podemos prejudicá-los.
31 – Devido ao fato de Jean Piaget — que sem dúvida foi um pensador brilhante e original — não ter compreendido isso, tanto o método que usou para aprender sobre o pensamento infantil como as conclusões que dele extraiu estavam errados. Em experiências com crianças, os psicólogos estão descobrindo cada vez mais que, quando são dados a elas meios para demonstrarem — com ações, e não com palavras o que sabem, os resultados dos experimentos de Piaget são invalidados, e as crianças mostram ser de fato capazes de fazer coisas as quais ele dizia que elas não podiam fazer. Crianças de não mais que 2 anos têm mostrado ser capazes de fazer exatamente o tipo de raciocínio formal e lógico que Piaget declarara impossível nessa idade.
32 – O que esquecemos facilmente, em nosso apaixonado caso de amor com o pensamento abstrato, típico do século XX, é que, para fazer uma abstração de alguma parte da realidade, devemos extrair algum sentido dessa realidade. Isso torna, para nós, muito mais fáceis os atos de pensar, manipular, medir, pôr em números e processar qualquer coisa com o computador, do que o que tendemos a fazer mais frequentemente, isto é, pensar em nossa abstração como algo maior e mais real que a própria realidade — da qual ela é, na verdade apenas uma pequena parte — e ignorar a realidade que jogamos fora para construir nossa abstração. Pensamos que tudo que não podemos contar não conta. Por exemplo, escolas contam crianças ou coisas contáveis que elas estimulam as crianças a fazer, e assim, como um mau pastor, tais escolas começam a pensar que esses números são mais reais que as próprias crianças. Logo esquecem de olhar para elas. Esquecem até como se olha para crianças. As crianças resistem a essa abstração continua, porque seu principal negócio na vida é encontrar e construir sentido, pôr sentido em um mundo que a princípio lhes parece inteiramente sem sentido. Elas estão muito mais apaixonadamente interessadas na realidade e no sentido do que nós mesmos. E lutam para preservá-los, encontrá-los e inventá-los, onde e como puderem.
Capítulo 4 – Gostar de música
Suzuki
33 – O insight fundamental de Suzuki, o coração pulsante de seu método, é que, exatamente como as crianças aprendem a falar — no início, muito desajeitadamente—, experimentando produzir alguma fala a partir das falas de adultos que ouvem a seu redor, da mesma maneira elas podem aprender música de modo mais eficaz tentando tocar algumas melodias que já ouviram muitas vezes e que, por isso, já conhecem.
34 – As crianças tornam-se membros de uma comunidade musical. Em uma arte performática, como é a música, realmente faz sentido o currículo uniforme, que as escolas tão equivocadamente insistem em utilizar em outras áreas, onde ele não faz sentido algum. Onde quer que estejam, as crianças que aprendem pelo método e que estejam em um mesmo nível de aprendizagem conhecerão as mesmas músicas, o que lhes permitirá tocar juntas. Isso é muito divertido para elas, além de ser, em música, a principal alegria que se pode ter.
35 – O recital não começou com as crianças menores para depois ir subindo na escala de idade e virtuosismo. Em vez disso, misturaram alunos iniciantes e alunos experientes, mais ou menos ao acaso. Não havia ali estrelismo ou competição; tratava-se apenas de um grupo de crianças juntas fazendo música, para seu próprio prazer e para o prazer de seus pais e de outros que quisessem ouvi-las.
36 – Em resumo, devemos ficar atentos para o fato de que a exploração, a descoberta, a aventura e, sobretudo, a alegria e a excitação que acompanham a música são os meios para sua aprendizagem. E é preciso lembrar que a instrução formal e o método rígido podem matar a capacidade de aprender música.
Capítulo 5 – O que os pais podem fazer
Ensino “pinguinizado”
37 – O que os adultos podem fazer pelas crianças é tornar este mundo e as pessoas que o habitam mais e mais acessíveis e transparentes para elas. A palavra-chave é acesso: ás pessoas, aos lugares, ás experiências, aos locais de trabalho e a outros lugares aonde vamos: cidades, países, ruas, construções. Podemos também oferecer brinquedos, livros, discos, ferramentas e outros recursos. Em geral, as crianças têm maior interesse nas coisas que os adultos realmente usam do que nas pequenas coisas que compramos para elas. Quero dizer que qualquer um de nós que tenha visto crianças na cozinha sabe que elas prefeririam brincar com as panelas e os potes do que com as miniaturas de brinquedo.
38 – Podemos também auxiliar as crianças respondendo às perguntas que fazem. No entanto, todos nós, adultos, precisamos tomar cuidado aqui, porque temos a tendência de responder muito mais do que as crianças realmente perguntam. “Aha!”, pensamos, “agora tenho chance de ensinar alguma coisa.” E então despejamos uma tese de quinze minutos para uma simples perguntinha. Existe uma história muito conhecida de uma criança à qual se passou a tarefa de ler um livro sobre pinguins e escrever um relatório sobre ele. Seu relatório de leitura trazia o cabeçalho convencional: nome, série, escola, classe, assunto e, finalmente, o texto do relatório, em que se lia: “Esse livro fala muito mais sobre pinguins do que eu quero saber”.
39 – Sempre que uma criança pergunta algo, existe o perigo de, digamos assim, pinguinizar. Ouvi uma história semelhante de uma criança que perguntou algo á mãe, que estava cansada, distraída ou talvez sentia que não soubesse o bastante e respondeu: “Por que você não pergunta a seu pai?” A criança respondeu: “Não precisa, eu não quero mesmo saber isso”. Se as crianças quiserem mais, elas pedirão mais. O melhor que podemos fazer é simplesmente responder ã questão especifica que nos foi dirigida ou, se não soubermos responder, dizer que podemos pesquisar juntos. Ou ainda que podemos descobrir dessa ou daquela maneira.
40 – O ensino que não foi solicitado não apenas não produz aprendizagem, mas também — e isso para mim foi mais difícil de aprender — cria uma resistência ao aprendizado. Agora isso se tornou uma evidência. Noventa e nove por cento das vezes, o ensino que não foi solicitado por livre e espontânea vontade não resulta em aprendizagem e, além disso, impede que se aprenda.
41 – Sempre que, sem ser solicitados, sem ser convidados, tentamos ensinar algo a alguém, transmitimos a essa pessoa uma mensagem de duplo sentido. A primeira parte da mensagem é: estou lhe ensinando algo importante, mas você não é inteligente o suficiente para perceber isso. A menos que eu ensine isso a você, você muito provavelmente nunca descobrirá sozinho. A segunda parte da mensagem é: o que estou lhe ensinando é tão difícil que, se eu não lhe ensinar, você nunca o aprenderá.
42 – Essa dupla mensagem de desconfiança e de desprezo ë claramente entendida pelas crianças, porque elas são muito hábeis na interpretação de mensagens que contêm emoções. Isso as faz furiosas. E por que não deveria fazer? Todo ensino que não é solicitado contém essa mensagem de desconfiança e desprezo. Uma vez que percebi isso, descobri que tinha de me conter, que tinha de conter as palavras na ponta da língua. O problema é que nós, seres humanos, gostamos de ensinar. Somos um animal que ensina, assim como somos um animal que aprende. Devemos restringir esse impulso, esse hábito, essa necessidade de explicar as coisas a todo mundo… a não ser que sejamos solicitados.
O poder do exemplo
43 – Frequentemente, quando as crianças ficam entediadas e distraídas, em casa ou em uma escola infantil, os adultos concluem que elas “precisam de mais estrutura, mais apoio”. Eu tendo a ser cauteloso no uso dessa expressão, porque aqueles que a usam geralmente querem dizer o seguinte: as crianças “precisam de alguns adultos sobre elas dizendo-lhes o que fazer e vigiando-as para que o façam”.
44 – A única maneira de elas aprenderem quanto tempo e esforço são necessários para se fazer, digamos, uma mesa, é poder ver alguém construindo uma mesa, do começo ao fim. Ou pintar um quadro. Ou consertar uma bicicleta. Ou escrever uma história. Ou o que quer que seja.
45 – As crianças precisam ver coisas bem-feitas. Cozinhar, especialmente assados, que mudam de textura e de forma, é uma tarefa que elas podem gostar de acompanhar. Digitar pode ser outra. A cada uma dessas ou a ambas as atividades, podemos adicionar a produção de livros e encadernações. Essas são atividades artesanais de que as crianças podem participar do começo ao fim. Desenho, pintura e trabalho em madeira podem ser outras.
46 – Os adultos devem usar as habilidades que têm onde as crianças possam vê-los. No caso improvável de que não tenham habilidades das quais possam falar, devem aprender algumas e deixar que as crianças os vejam aprender, mesmo que se trate de coisas tão simples como aprender a digitar no computador. Devem convidar as crianças a que se juntem a eles em tarefas que exijam o uso dessas habilidades. Dessa forma, as crianças podem ir sendo vagarosamente atraídas a um comprometimento cada vez mais intenso com as atividades dos adultos, atividades sérias e que valem a pena ser realizadas, nas quais elas se sentirão valorizadas e aprenderão pra valer.
47 – Verão e aprenderão também que seus pais não as acham tão pequenas e tão estúpidas a ponto de não poderem incluí-las em uma parte central de suas próprias vidas.
Corrigir erros
48 – Quando as crianças começam a aprender a falar, frequentemente usam o nome de um objeto para se referir a toda uma classe de objetos similares. Em Como as crianças aprendem, falei sobre uma criança que chamava de vacas todos os animais que via nos campos, fossem eles cavalos ou carneiros. Há muitas razões importantes para que eu considere que não corrigir tais “erros” é a coisa certa a se fazer nesses casos:
49 – 1) Cortesia é a primeira delas: se uma pessoa ilustre de um país estrangeiro estivesse nos visitando, não corrigiríamos cada erro que ela cometesse em português, ainda que quisesse aprender nossa língua, pela simples razão de que seria uma grosseria fazê-lo. Não costumamos pensar em cortesia e grosseria corno categorias de comportamento aplicáveis a nossas relações com as crianças. Mas deveríamos pensar.
50 – 2) A criança que inicialmente isola uma classe de objetos e lhes dá um nome está realizando um feito intelectual considerável. Nossa primeira reação a tal feito deveria ser de aceitação e reconhecimento. Sem fazer grande algazarra por isso, deveríamos deixar claro para ela, por meio de nossas ações, que ela realizou algo bom, c não que cometeu um erro. Ponhamo-nos em seu lugar. Se estivéssemos aprendendo, em um país estranho, a falar uma outra língua, como nos sentiríamos se alguém corrigisse cada erro que cometêssemos? A menos que fôssemos uma pessoa excepcional, o efeito dessas correções seria fazer de nós pessoas tão cuidadosas com o que iríamos dizer que acabaríamos por falar muito pouco ou quase nada — corno um homem que conheço e que, depois de cinco ou seis vezes no México, não conseguia falar vinte palavras em espanhol porque não se permitia dizer nada a menos que estivesse absolutamente seguro de que estava certo.
51 – 3) Alguém poderia dizer: “Não ajudamos em nada se não fazemos nem dizemos nada para facilitar a aprendizagem”. Mas é exatamente essa a questão. Apenas pelo uso que fazemos da linguagem, damos á criança toda a ajuda de que ela precisa. Porque outras pessoas chamavam aqueles animais de “cavalos” e “ovelhas”, em vez de “vacas”, aquela criança que mencionei aprendeu, e muito rápido, que é assim que eles devem ser chamados. Em resumo, não precisamos “ensinar” ou “corrigir” para que possamos ajudar uma criança a aprender.
52 – 4) É sempre melhor para uma criança descobrir algo por sua conta do que com a ajuda de outros que lhe digam o que poderia descobrir sozinha — desde que esteja garantido, naturalmente, corno no caso de ela ter de atravessar uma rua, que sua vida não seja posta em perigo no processo da aprendizagem. No caso da aquisição de competências intelectuais, não admito nenhuma exceção a essa regra. Em primeiro lugar, aquilo que a criança descobre, ela retém melhor. Em segundo lugar, e muito mais importante, a cada vez que descobre algo, ela ganha confiança em sua própria habilidade de descobrir coisas.
53 – 5) Estamos nos enganando se pensamos que, sendo bonzinhos ao corrigi-las, evitamos que as correções soem para as crianças como reprovações. Apenas em circunstâncias excepcionais e com grande tato é que se pode corrigir um adulto sem, em alguma medida, ferir seus sentimentos. Como podemos supor que as crianças — cujo senso de identidade, ou cujo ego, ou cuja autoestima são tão mais fracos — possam aceitar correções sem nenhum problema? Eu diria que, em 99% dos casos, as crianças recebem uma correção como unia reprimenda, não importa quão agradáveis, descontraídos ou estimulantes tenhamos tentado ser ao corrigi-las. Reconheço que sou mais dogmático no que diz respeito a isso do que em relação a outras coisas que acredito saber. Tenho visto o fato ocorrer diante de meus olhos muitas vezes.
54 – 6) Por um lado é verdade, e por outro é equivocado dizer que as crianças querem aprender. Sim, é verdade que querem, mas da mesma forma que querem respirar. Aprender, não mais que respirar, não é um ato de vontade para os pequenos. Eles não pensam: “Agora vou aprender isso ou aquilo”. Está em sua natureza olhar para o mundo, apropriar-se dele com seus sentidos e construir sentidos a partir dessa experiência, sem saber absolutamente como estão fazendo isso e sem nem mesmo saber que estão fazendo isso. Um dos maiores erros que cometemos com as crianças é torná-las conscientes de sua aprendizagem, a ponto de elas começarem a perguntar a si mesmas: “Será que estou aprendendo ou não?” A verdade é que qualquer um que esteja vivendo, expondo-se à vida e entrando em contato com ela com energia e entusiasmo, está ao mesmo tempo aprendendo. É exatamente a preocupação com aprender que interrompe a aprendizagem das crianças. Quando começam a ver o mundo como um lugar perigoso, do qual devem se isolar e se proteger, quando começam a viver menos livre e plenamente, então é que seu processo de aprendizagem declina e tende a cessar.
55 – 7) Mesmo quando as crianças atingem a idade em que se tornam conscientes, por alguns momentos, de que estão deliberadamente aprendendo algo que querem aprender, isso não significa que elas querem ser lembradas disso o tempo todo. Uma criança saudável preferirá quase sempre descobrir coisas por conta própria. Não muito tempo atrás, um professor veterano resumiu isso brilhantemente: “Uma única palavra, para um sábio”, disse ele, “pode deixá-lo enfurecido”.
A droga do elogio
56 – Muito se tem escrito sobre quanto é importante estimular a autoimagem das crianças enchendo-as de elogios. Para mim, essa recomendação é um equivoco dos mais sérios. Essa questão me toca de modo especial, porque a primeira escola em que trabalhei acreditava estar apoiando as crianças com essa prática. Na época em que conheci aqueles alunos de quinta série, a maioria era tão dependente da contínua aprovação dos adultos que ficava aterrorizada com a possibilidade de errar e, por isso, não obter o que esperava. Essa prática, que depois reencontrei em muitas outras escolas, produzia efeitos exatamente opostos aos pretendidos.
57 – O problema com qualquer tipo de motivação externa, seja ela negativa (ameaças, punições ou reprimendas), seja positiva (estrelas, comendas, diplomas, títulos acadêmicos etc.), é que ela desloca ou sufoca a boa motivação, que é sempre interna. Bebés não aprendem para nos agradar, mas sim porque é seu destino e natureza querer descobrir o mundo. Se os elogiamos por cada coisa que fazem, depois de um tempo vão começar a aprender e a fazer coisas só para nos agradar. E o próximo passo será ficarem preocupados com o fato de não estarem nos agradando. Vão ficar tão temerosos de errar quanto ficariam se tivessem sido ameaçados de punição.
58 – O que as crianças querem de nós é atenção inteligente, e precisam disso. Querem que as notemos e prestemos algum tipo de atenção no que estão fazendo, que as levemos a sério, que as respeitemos e confiemos nelas como seres humanos que são. Querem que sejamos educados e delicados com elas. E não precisam de muitos elogios.
A ajuda indesejada
59 – Milhares de pais que ensinam seus filhos aprendem com a experiência, como essa mãe, que interferir muito nas brincadeiras e na aprendizagem das crianças frequentemente produz a interrupção de tais atividades ou processos. Os pais aprendem essa lição com facilidade. Por que isso é tão difícil para as pessoas que ensinam nas escolas? A resposta é simples. A razão pela qual nossa mãe pôde ver que sua interferência tinha, pelo menos naquele momento, estragado a brincadeira que cada um estava fazendo com os diferentes mapas foi que suas crianças estavam livres para deixar o quarto. Suponhamos que não estivessem; suponhamos que estivessem em uma sala de aula convencional e que fossem obrigadas não apenas a estar ali, mas a concluir uma tarefa com os mapas proposta pelo professor. O que teria acontecido é que elas começariam a fazer as atividades devagar até que pudessem sair. Ou, em vez disso, poderiam devanear ou ficar fingindo trabalhar. Ou poderiam brincar de forca ou de jogo-da-velha escondidas do professor. Ou poderiam se divertir, irritando o professor por montar o mapa errado. Mas, para o professor, todas essas atitudes evasivas poderiam parecer como se as crianças ainda estivessem trabalhando no mapa, e assim as lições vitais, que a mãe pôde receber, se perderiam.
Uma linha muito tênue
60 – No geral, se não punimos as crianças pelas mensagens que elas nos dirigem nem fazemos que se sintam culpadas por fazê-lo, elas ficarão à vontade para nos mandar tantas mensagens quantas julgarem necessárias. Se não prestarmos atenção em um primeiro sinal, elas enviarão um segundo. Não é preciso complicar as coisas nem ficarmos ansiosos em relação a isso. As crianças são bons comunicadores. Talvez uma linha muito tênue separe, como um limite a que devemos ficar atentos, a resposta suficiente de um pai a uma pergunta do filho e a resposta que pretende ampliar a compreensão da criança, fornecendo mais informação do que a requerida pela pergunta. Além de certo ponto começa o perigo. Se tudo que fazemos ou dizemos a uma criança tem algum tipo de intenção pedagógica consciente, se a resposta a cada ato da criança é pensarmos “Como posso usar isso para ensinar-lhe algo?”, corremos o risco de transformar nosso lar em uma escola. Nem sempre existe, nem deveria existir, uma lição em cada coisa.
61 – Não há nada de errado em oferecer uma sugestão, mas existem muitas coisas com as quais devemos ser cautelosos. Em primeiro lugar, tanto os pais como a criança devem estar livres para recusar sugestões. Se a criança se recusa explicitamente a continuar, ou se continua, mas com evidente falta de entusiasmo, é melhor deixar de lado o que se está fazendo, e rapidamente. Não tente convencer a criança de que ela deve continuar, nem mantenha a atividade sob o pretexto de que, se ela insistir o suficiente, acabará por tomar gosto pela coisa. Os adultos devem aprender a aceitar “não” como resposta.
62 – Se os pais parecerem desapontados ou magoados quando suas sugestões não forem ansiosamente bem recebidas, depois de um tempo a criança começará a pensar: “Quando papai ou mamãe sugerir algo, é melhor eu aceitar. Se não, eles ficam mal”. Usar esses sentimentos ou o medo desses sentimentos para obter das crianças o que queremos é muito pior do que dar ordens á moda antiga. Se os próprios pais não podem evitar o sentimento de frustração ao não terem suas sugestões aceitas, é melhor que parem de fazer sugestões.
63 – Mesmo que as crianças aceitem as sugestões e continuem brincando a partir delas, é melhor não faze-las demais. Se estamos sempre pensando em coisas legais para que as crianças façam, não deixamos que elas pensem nessas coisas por conta própria. Além disso, elas podem começar a pensar que todas as boas ideias vêm dos adultos e, assim, ficar dependentes de nós. É bom curtir as brincadeiras com as crianças por algum tempo, mas não faria nenhum sentido deixarmos de agir como professores em tempo integral para passarmos a agir como animadores de festa em tempo integral. Temos nossos próprios afazeres. Logo, mesmo que tenhamos muitas boas ideias, moderação é importante.
Capítulo 6 – A natureza da aprendizagem
Três metáforas enganosas
64 – A educação formal é governada e dominada por três metáforas particulares. Alguns educadores estão mais ou menos conscientes de que seu trabalho é guiado por tais metáforas. Outros não têm a menor consciência disso. E outros, ainda, podem ate chegar a negar vigorosamente sua influência. No entanto, conscientes ou não, elas têm determinado amplamente o que a maioria dos professores faz na escola.
65 – A primeira dessas metáforas apresenta a educação como uma linha de montagem em uma fábrica de enlatados ou engarrafados. Penduradas nas esteiras estão filas de recipientes vazios de diferentes formas e tamanhos. Ao lado delas, uma série de aparelhos de esguichar, controlados pelos empregados da fábrica. A medida que os recipientes passam, os empregados esguicham em seu interior variadas quantidades de diferentes substâncias — leitura, ortografia, matemática, história, ciências.
66 – No andar de cima, os gerentes decidem quando os recipientes devem ser postos na esteira, quanto tempo devem ser deixados nela, que tipos de substâncias devem ser postos neles de cada vez e o que deve ser feito com aqueles recipientes cujas aberturas parecem ser menores do que as de outros e com aqueles que parecem não possuir nenhuma abertura.
67 – Quando discuto essa metáfora com professores, muitos riem e parecem achá-la absurda. Mas basta que leiamos as últimas propostas de melhoria da educação para ver como ela domina ainda as concepções dos reformadores. Efetivamente, todos os relatórios oficiais continuam a dizer que devemos ter tantos anos de português, outros tantos de matemática, outros de língua estrangeira, mais outros de ciências. Em outras palavras, devemos esguichar português nos recipientes por tantos anos, matemática, por outros tantos, e assim por diante. O pressuposto é que qualquer coisa que se esguiche no recipiente entrará nele e, uma vez em seu interior, ali permanecerá.
68 – Parece que ninguém faz a óbvia pergunta: como é que tantos recipientes saem da fábrica vazios, se receberam todas as substâncias que foram esguichadas neles por tantos anos? Diante de um século de experiência que os contradiz, os educadores ainda se agarram à noção de que ensinar produz aprendizagem e, logo, á convicção de que, quanto mais se ensina, mais se aprende. Nenhum dos relatórios que li sobre as propostas de reforma educacional levanta questões sérias sobre esse pressuposto. Se os alunos não sabem o suficiente, é porque não começamos a esguichar cedo suficiente (aos 4 anos, por exemplo), ou porque não esguichamos a coisa certa ou a quantidade suficiente dela (vamos restringir ou especificar mais o currículo).
69 – Uma segunda metáfora retrata os alunos na escola como ratos de laboratório em uma gaiola, sendo treinados para fazer algum tipo de truque. Na maioria das vezes, um tipo de truque que nenhum rato na vida real teria qualquer razão para fazer. Põe-se, por exempla, o rato em um lado da gaiola e, no outro, um triângulo e um circulo. Se o rato pressiona a figura “certa”— aquela que o experimentador quer que ele pressione –, lá vem uma saborosa recompensa. Se o rato pressiona a figura “errada”, a indesejada, recebe um choque elétrico. De acordo com John Goodlad, da Escola de Educação da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, assim era o ensino nas escolas, na virada do século XIX para o XX. Digo que assim é o ensino ainda hoje: tarefa, recompensa, choque. No lugar de recompensa e choque leiam-se promessas e ameaças, ou “reforço positivo” e “reforço negativo”.
70 – Os reforços positivos na escola são sorrisos dos professores, medalhas, notas altas nos boletins, classes especiais e, no fim, o ingresso em faculdades prestigiadas, a conquista de bons empregos, trabalhos interessantes, dinheiro e sucesso. O reforço negativo são reprimendas raivosas, sarcasmo, desprezo, humilhação, vergonha, o riso derrisório das outras crianças, as ameaças de fracasso, de ficar para trás, de ser expulso da escola. Para muitas crianças desafortunadas, os reforços negativos incluem castigos físicos. Ao fim dessa linha, estão a admissão em faculdades de segunda ou terceira categoria ou a impossibilidade de cursar uma faculdade, o desemprego ou empregos ruins, trabalho duro, pouco dinheiro ou absoluta pobreza.
71 – A terceira metáfora é, talvez, a mais destrutiva e perigosa de todas. Apresenta a escola como um hospital para alienados mentais. As escolas, de alto ou baixo nível, têm operado sob a regra, maravilhosamente conveniente para elas, de que quando ocorre aprendizagem o crédito é delas: “Se você pode ler, agradeça a um professor”, e de que quando não ocorre aprendizagem, a culpa é dos alunos. Em uma escola de ensino fundamental muito bem cotada, um professor veterano chegou a afirmar: “Se as crianças não aprendem o que ensinamos, é porque são preguiçosas, desorganizadas ou tem distúrbios mentais”. A exceção de uns poucos professores, a maioria concordou com ele.
72 – Mais recentemente, no entanto, os educadores encontraram outra explicação para a não ocorrência de aprendizagem: “deficiências de aprendizagem”. Essa explicação se tornou popular porque oferecia um argumento a todos os envolvidos nesse assunto. Pais de classe média necessitados de se livrar da culpa pelo fracasso dos filhos puderam parar de perguntar “O que fizemos de errado?”. Os especialistas lhes diziam: “Vocês não fizeram nada de errado; o problema é só o fato de que seu filho tem uns parafusos soltos na cabeça”. Podia-se dizer aos que, já com certa ira, cobravam às escolas que “fizessem seu trabalho e ensinassem algo às crianças”: “Sinto muito, mas nada podemos fazer; seu menino tem deficiências de aprendizagem”.
73 – Crianças de apenas 5 ou 6 anos, quase sempre em seus primeiros dias de escola, são submetidas a baterias de testes “para descobrir o que está errado com elas”. A algumas, inclusive, os professores dizem para que servem os testes. Uma parte substancial da pseudociência da pedagogia consiste agora em listar e descrever essas “doenças”, os testes que supostamente as diagnosticam e as atividades que são planejadas para tratá-las — mas quase nunca para curá-las.
74 – A “pesquisa” que está por trás desses rótulos é muito tendenciosa e nada convincente. Alguns anos atrás, em um grande congresso de especialistas em deficiências de aprendizagem, perguntei se alguém já tinha ouvido falar — não feito, apenas ouvido falar— de pesquisas ligando déficits de percepção com estresse. Num auditório de quase 1.100 pessoas, duas levantaram a mão. Um homem afirmou, então, saber de uma pesquisa na qual alunos em que se supunham graves déficits de aprendizagem foram colocados em uma situação relativamente livre de estresse, e suas deficiências logo desapareceram. O outro que levantara a mão relatou-me depois uma experiência similar.
75 – Nossa terceira metáfora, como as duas primeiras, apresenta uma imagem falsa da realidade. As escolas trabalham com o pressuposto de que as crianças não estão interessadas em aprender e de que, na verdade, não são boas mesmo nisso. Creem que as crianças não aprenderão nada a não ser o que preparamos para que aprendam, a não ser que lhes mostremos como aprender. E acreditam que o modo de fazê-las aprender é dividindo os conteúdos a serem aprendidos em uma sequência de tarefas miúdas que deverão ser dominadas uma de cada vez, cada qual com sua recompensa apropriada e com seu apropriado choque. E quando esse método não funciona, as escolas entendem que há algo errado com as crianças. Algo que se deve diagnosticar e tratar.
76 – Todos esses pressupostos são falsos. Se você sai de Chicago para ir a Boston, e pensa que Boston está a oeste de Chicago, quanta mais longe você for, pior será, porque mais distante estará de seu destino. Se seus pressupostos estiverem errados, suas ações também estarão, e quanto mais você trabalhar duro em seus objetivos, pior será.
77 – O fato facilmente observável é que as crianças são apaixonadamente ávidas por aprender, para extrair tanto sentido do mundo a seu redor quanto lhes seja possível. Elas são extremamente boas nisso. E o fazem como os cientistas, isto é, criando conhecimento a partir da experiência. As crianças observam, interrogam-se, descobrem e em seguida testam as respostas que constroem para as perguntas que fazem a si mesmas. Quando estão realmente á vontade para aprender, e não coagidas a fazê-lo, continuam a fazer mais e mais e ficam cada vez melhores nisso.
Aprender é compreender as coisas
78 – As crianças são muito mais capazes do que imaginamos de reconhecer que algo que elas ou outra pessoa tenham dito não é coerente com uma outra coisa que elas já saibam. Em outras palavras, elas querem que as partes de seu modelo mental do mundo se ajustem. Se não se ajustam, elas ficam perturbadas. Num certo sentido, agem como filósofos: apreciam resolver contradições. Elas ficam apreensivas com o paradoxo. Gostam que as coisas façam sentido. Mas têm de trabalhar nessas questões a seu modo e nos momentos que sentem como oportunos.
79 – Até que uma criança se torne realmente insatisfeita com seu modelo mental do mundo, ate que sinta que ele não é correto, correções não lhe fazem sentido. Ela lhes dá as costas. As correções que ela própria faz, ou, no mínimo, as que está disposta a ouvir, são as de que ela necessita.
80 – A razão pela qual o ensino, no sentido convencional da palavra — dizer coisas às crianças—, é impossível é o fato de que não podemos saber qual o estado da mente de uma criança. Ela não dispõe de palavras para nos falar. Todos nós sabemos mais do que podemos contar. E eu não quero com isso dizer “mais do que temos tempo de contar”, mas sim mais do que podemos pôr em palavras. E isso é cem vezes mais verdadeiro no caso de uma criança. Crianças têm muitas compreensões que não são capazes de verbalizar. E têm também muitas más compreensões sobre as quais não são capazes de falar.
81 – Em seu modelo mental do mundo, existe um grande número de brechas, de lacunas, que elas são capazes de perceber, mas que não são capazes de pôr em palavras. Elas apenas sentem que falta uma peça a seu modelo, como uma peça que falte a um quebra-cabeça. Mas quando, por meio de suas experiências, percebem de alguma maneira o surgimento daquele pedaço de informação que preenche o vazio do quebra-cabeça, são empurradas em sua direção como se fossem atraídas por um imã. Acho que todos nós já experimentamos isso.
82 – Existe uma pequena lacuna em nosso conhecimento ou compreensão, e, de repente, talvez em um livro, talvez a partir de uma experiência, surge uma ideia que a preenche e tudo se ajeita. Praticamente é como se sentíssemos que a ideia corre para aquele lugar de nossa compreensão em que da faltava e, rapidamente, nós a ajustamos ali. Não se esquecem essas coisas. E esse tipo de coisa que as crianças aprendem. Elas não podem nos dizer que coisas são essas. Elas não têm os meios para nos dizer.
83 – Quando uma criança está aprendendo por sua conta, seguindo sua própria curiosidade, uma enorme quantidade de coisas está sendo processada. Desse fluxo, subconscientemente, ela extrai as coisas de que necessita. O que fazemos quando resolvemos decidir tudo pela criança é desacelerar o processo sem aumentar a eficiência. Pensamos que estamos aumentando a eficiência do processo, mas na realidade não estamos. Estamos apenas reduzindo a entrada de informações.
84 – Ao longo de anos, notei que a criança que aprende rapidamente é aventureira. Está sempre pronta a correr riscos. Aproxima-se da vida de braços abertos. Quer abraçar tudo. Conserva o desejo, presente nas crianças pequenas, de extrair sentido das coisas. Não está preocupada com ocultar sua ignorância ou com proteger-se. Está sempre pronta a expor-se á frustração e ao fracasso. Tem uma certa autoconfiança. Espera extrair sentido das coisas mais cedo ou mais tarde. Crê que conseguirá.
85 – De outro lado, para o aluno menos bem-sucedido, o mundo não é apenas um lugar um pouco sem sentido, é também um lugar cheio de truques. Em certa medida, é um inimigo. Nunca se sabe o que vai acontecer nele, mas tem-se uma boa dose de suspeita de que seja algo ruim. Não é possível ser confiante nesse mundo.
86 – O bom aluno é cheio de recursos e é também paciente. Tentará fazer as coisas de determinada maneira e, se não der certo, tentará de outra e outra ainda, até que chegue aonde pretendia. Já o aluno que fracassa não tem nem a engenhosidade necessária para pensar em outras maneiras nem a paciência necessária para testá-las e esperar o resultado.
87 – O bom aluno, possivelmente porque não é muito preocupado, possivelmente porque é este seu estilo de pensar, é capaz de olhar objetivamente para seu próprio trabalho, distanciar-se dele e procurar por inconsistências e incoerências, acabando por ver os erros nele contidos.
88 – Uma criança só enfia a cabeça num buraco ou mete o rabo entre as pernas quando está com medo do mundo, quando está sendo derrotada. Mas quando faz algo em que está apaixonadamente interessada, cresce como uma árvore, em todas as direções. E assim que as crianças aprendem, é assim que elas crescem. Projetam raízes profundas, como árvores em solo seco. A árvore pode estar mirrada, mas envia essas raízes e, de repente, uma delas atinge um veio d’água. E a árvore inteira cresce.
89 – As crianças não são apenas filósofos, são cosmólogos, inventores de mitos e de religiões. São como os hindus, que apareceram com a ideia de que havia uma tartaruga em cujo dorso o mundo foi criado ou a de que os deuses trouxeram o fogo aos homens.
90 – Nós tendemos a tratar com condescendência as histórias e fantasias infantis e a extrair delas uma visão ornamental. “É uma história muito bonita, querida, mas você sabe que não é verdadeira, não é?” Mas a criança que é capaz de tais histórias está envolvida num trabalho sério. Não está só se divertindo. Está tentando construir um modelo do universo de fato mais grandioso do que jamais pudemos imaginar — a não ser, talvez, em nossa infância. Ela está fazendo perguntas a si mesma sobre o tempo, a vida, Deus e a criação. Repito: está trabalhando como um filósofo. Deveríamos dar a ela tempo para pensar.
Vivendo e aprendendo
91 – Viver é aprender. É impossível estar vivo e consciente — e inconsciente, diriam alguns — sem estar constantemente aprendendo coisas. Se estamos vivos, estamos recebendo, n tempo todo, diferentes tipos de mensagens provenientes de nosso ambiente.
O tempo todo despertos
92 – Uma das coisas mais importantes, entre muitas que aprendi sobre as crianças — depois de acompanhá-las por anos, observar cuidadosamente o que fazem e pensar sobre isso —, é que elas são aprendizes naturais.
93 – A única coisa de que podemos estar seguros, ou mais seguros, é que elas têm um desejo apaixonado de compreender o mundo sob vários aspectos, incluindo o que não podem ver ou tocar, assim como desejam adquirir todos os tipos de habilidades e competências que lhes permitam exercer controle sobre o mundo. Agora, esse desejo, essa necessidade de compreender o mundo e de ser capaz de fazer coisas nele — as coisas que gente grande faz — é tão forte que podemos, sem risco de erro, chamá-lo de biológico. É tão forte como a necessidade de alimento, de calor, de apoio, de conforto, de sono, de amor. De fato, penso que se trata de um desejo ainda mais forte do que todos estes.
94 – Crianças não são apenas extremamente boas em aprender; elas são muito melhores nisso do que nós, adultos. Como professor, levei muito tempo para descobrir isso. Eu era um professor engenhoso e cheio de recursos, hábil no planejamento de aulas, demonstrações, formas de motivação e toda a parafernália pedagógica possível. E foi somente aos poucos, e dolorosamente— acreditem em mim: dolorosamente—, que aprendi o seguinte: quando passei a ensinar menos, as crianças começaram a aprender mais.
95 – Posso resumir em cinco ou sete palavras o que casualmente aprendi como professor. A versão de sete palavras é esta: “Aprender não é o produto de ensinar”. A versão de cinco palavras é esta: “Ensinar não produz a aprendizagem”. Como mencionei antes, a educação formal opera com o pressuposto de que as crianças aprendem somente o que, quando e porque lhes ensinamos. Isso não é verdade. Está, de fato, muito perto de ser 100% falso.
96 – Os aprendizes fazem aprendizagem. Os aprendizes criam aprendizagem. A razão pela qual isso foi esquecido é que a atividade de aprender foi transformada em um produto chamado “educação”, exatamente como a atividade, a disciplina de cuidar da saúde das pessoas se tornou produto do “cuidado médico”, e a atividade de inquirir sobre o mundo se tornou o produto da “ciência”, uma coisa especializada presumidamente possível de ser feita apenas por pessoas com complicados aparatos de milhões de dólares. Mas saúde não é um produto, e ciência é algo que você e eu fazemos a cada dia de nossa vida. De fato, a palavra ciência é sinônima de aprendizagem.
97 – O que fazemos quando aprendemos, quando criamos aprendizagem? Bem, nós observamos, olhamos, ouvimos. Tocamos, experimentamos, cheiramos, manipulamos e, às vezes, medimos ou calculamos. E então nos interrogamos, dizendo: “Bem, por que isso?”, ou “Por que isso é assim?”, ou “Esta coisa fez esta nutra acontecer?”, ou “O que fez isso acontecer?”, ou “Podemos fazer isso acontecer de modo diferente ou melhor?”, ou “Podemos eliminar a cochonilha do pé de feijão?”, ou “Podemos colher mais frutas do que as que colhemos este ano?”, ou o que quer que seja. E então inventamos teorias, que os cientistas chamam de hipóteses; damos palpites, dizendo: “Bem, talvez seja por causa disso”, ou “Talvez por causa daquilo”, ou “Pode ser que, se eu fizer isso, aconteça aquilo”. E depois testamos essas teorias ou hipóteses.
98 – Podemos testá-las simplesmente fazendo perguntas a pessoas que pensamos saberem mais do que nós, ou por meio de observações posteriores. Podemos nos dizer: “Não sei absolutamente o que é isso, mas pode ser que, observando por mais tempo, eu venha a descobrir”. Ou talvez, ainda, tratemos de fazer um experimento planejado: “Vou colocar essa substância no feijão e ver se as cochonilhas morrem”, ou “Vou tentar fazer algo mais”. E a partir dessas atitudes, de várias maneiras, podemos ou descobrir que nossos palpites não eram tão bons, ou talvez que eram realmente bons, e então continuamos, observamos mais e especulamos mais ainda. Fazemos novas perguntas, novas teorias e as testamos novamente.
99 – Esse processo cria aprendizagem e todos nós o praticamos — não apenas o pessoal do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ou o de qualquer outra instituição cientifica famosa. Nós fazemos isso. E isso é também o que as crianças fazem. Elas trabalham duro nesse processo durante todo o tempo em que estão acordadas. Quando não estão comendo ou dormindo, estão criando conhecimento. Estão observando, pensando, especulando, teorizando, testando e experimentando — o tempo todo —, e são muito melhores nisso do que nós. A ideia de que podemos ensinar às crianças como aprender tornou-se para mim claramente absurda.
100 – As crianças aprendem tudo que veem ou experimentam. Aprendem em qualquer lugar que estejam, não apenas em lugares especialmente feitos para aprender. Aprendem muito mais com as coisas, naturais e artificiais, que são reais e existem no mundo, do que com as coisas feitas especialmente para que as crianças possam aprender com elas. Em outras palavras, estão mais interessadas nos objetos e ferramentas que usamos em nossa vida cotidiana do que em quase todos os materiais especialmente feitos para a aprendizagem. Podemos auxiliar melhor a aprendizagem das crianças se trabalharmos tanto quanto possível para tornar o mundo acessível a elas. Isso ajudará mais do que se ficarmos decidindo o que achamos que devam aprender e pensando em modos engenhosos de lhes ensinar tais conteúdos. Será melhor se prestarmos seriamente atenção no que elas fazem; se respondermos a suas questões, quando as tiverem; e se as ajudarmos a entender as coisas nas quais estão interessadas. Os modos pelos quais podemos fazer isso são simples e facilmente compreensíveis pelos pais e por outras pessoas que gostem de crianças e que assumam a tarefa de prestar atenção no que elas fazem e de pensar no que querem significar com suas ações. Em resumo, o que precisamos saber para ajudar as crianças a aprender não é obscuro, nem técnico, nem complicado. E os materiais de que precisamos para ajudá-las repousam, prontos e à mão, a nossa volta.
QUESTÕES PROVOCATIVAS SOBRE O TEXTO DE HOLT
01 – John Holt, na obra póstuma “Aprendendo o tempo todo” (1989), afirma que as crianças “aprendem muito mais com as coisas, naturais e artificiais, que são reais e existem no mundo, do que com as coisas feitas especialmente para que as crianças possam aprender com elas” e que “podemos auxiliar melhor a aprendizagem das crianças se trabalharmos tanto quanto possível para tornar o mundo acessível a elas. Isso ajudará mais do que se ficarmos decidindo o que achamos que devam aprender e pensando em modos engenhosos de lhes ensinar tais conteúdos”. Levando às últimas consequências estas observações de Holt podemos afirmar:
a) Quase toda a parafernália pedagógica que criamos para ensinar às crianças é desnecessária. Como ele mesmo diz (em seguida às observações reproduzidas acima): “O que precisamos saber para ajudar as crianças a aprender não é obscuro, nem técnico, nem complicado. E os materiais de que precisamos para ajudá-las repousam, prontos e à mão, a nossa volta”.
b) Os recursos pedagógicos que fabricamos não são propriamente ditados pelas necessidades de aprendizagem, e sim pelas exigências do ensino.
c) O que Holt afirma não se aplica nos dias de hoje, em que as crianças querem manipular os recursos tecnológicos mais avançados (como computadores, tablets e smartphones).
02 – Em “Aprendendo o tempo todo” (1989), John Holt afirma que “a palavra ciência é sinônima de aprendizagem”. Ele explica que o processo que cria aprendizagem é o mesmo processo de fazer ciência e argumenta “que todos nós o praticamos, não apenas o pessoal do Massachusetts Institute of Technology (MIT) ou de qualquer outra instituição científica famosa”. Por que você acha que isso não é levado em conta pelos que planejam sistemas educacionais (separando a pesquisa da aprendizagem, não apenas nas escolas, mas também nas universidades)?
a) Porque esses planejadores educacionais (não raro autointitulados “educadores”) não lidam propriamente com aprendizagem e sim com ensino — e ensino deve mesmo ser separado da pesquisa, porque primeiro a pessoa precisa ser ensinada (ser paciente da transferência de um conteúdo obrigatório enquanto é ignorante) para depois ser autorizada a investigar o que bem entender.
b) Porque os planejadores educacionais estão acostumados a pensar que fazer ciência é só para alguns que lograram percorrer com sucesso toda uma sequência curricular, ano após ano (durante uns 20 anos) passando pelas provas capazes de atestar que adquiriam os conhecimentos corretos (o que já se conhece) sem os quais não podem se meter a descobrir o que ainda não se conhece.
c) Porque, na verdade, Holt não está certo ao dizer que ciência é aprendizagem. Se fosse assim qualquer pessoa ignorante poderia ser um cientista (o que é contraditado pelos fatos: os cientistas, em geral, são pessoas que percorreram todos os graus acadêmicos, vencendo todas as etapas para chegar ao topo da escala: são doutores, pós-doutores ou livre-docentes).
03 – Holt afirma que “Aprender não é o produto de ensinar”. Ao longo do livro, vai mais além e diz que “qualquer ensino que o estudante não tenha pedido vai provavelmente impedir ou atrapalhar seu aprendizado”. Sobre isso, você acredita que:
a) O ensino só não resulta em aprendizagem ou porque foi mal conduzido por um educador inexperiente ou desmotivado, ou porque a estrutura da escola não oferece condições para uma boa aula, ou porque alguns alunos estão realmente desinteressados pelo estudo. Mas não existem evidências de que o ensino possa prejudicar a aprendizagem. A argumentação de Holt é exagerada e pouco convincente.
b) O ensino só é problemático se for percebido ou sentido como algo imposto. Se o educador tiver a habilidade de despertar o interesse dos alunos pelos conteúdos do currículo, a experiência educacional será tão significativa quanto a livre aprendizagem.
c) Por mais que não se queira forçar nada, alguns conteúdos são básicos e necessários para qualquer pessoa. Se ela não tiver um interesse natural nestes assuntos, ou numa determinada disciplina, eles precisarão ser ensinados.
d) O processo do ensino não solicitado realmente prejudica a aprendizagem das crianças e das pessoas em geral. São dinâmicas distintas e opostas: enquanto um é reprodutivo, o outro é criativo; enquanto um está pré-definido, o outro implica descoberta. Mesmo quando se aprende algo já conhecido pela cultura, este aprender é uma descoberta e (re)criação para aquele que aprende.
Texto integral: HOLT, John (1989). Aprendendo o tempo todo
Fim do texto.
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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