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Você não pensa sozinho

Um novo livro diz que pensamento e conhecimento são esforços comunitários

Gareth Cook, Scientific American, 20/06/2017

Traduzido por Renato Jannuzzi Cecchettini do original em inglês, já replicado aqui.

“O Pensador”, a escultura em bronze de Auguste Rodin, se tornou um cliché visual, uma representação comum do pensamento profundo – uma figura, olhando para baixo, queixo apoiado na mão, completamente só. Isto é totalmente enganador, de acordo com os autores de “A Ilusão do Conhecimento”, que carrega o subtítulo: “Porque nós nunca pensamos sozinhos”. Steven Sloman, um professor na Brown University, e Philip Fernbach, professor na Leeds School of Business da Universidade do Colorado, argumentam que a nossa inteligência depende das pessoas e coisas que nos rodeiam e, até certo ponto, raramente conhecemos. O conhecimento, dizem eles, é um esforço da comunidade. Sloman respondeu as perguntas do editor Gareth Cook.

Você argumenta que nós não sabemos tanto como nós pensamos saber. Pode explicar isso?

As pessoas superestimam como elas entendem como as coisas funcionam. Prova direta disso vem do laboratório de psicologia. O grande psicólogo de Yale, Frank Keil e seus alunos demonstraram pela primeira vez a ilusão da profundidade explicativa, o que chamamos de ilusão do conhecimento. Ele perguntou às pessoas o quanto elas entendem como alguns objetos do cotidiano (zíperes, banheiros, esferográficas) funcionam. Em média as pessoas diziam que tinham um entendimento razoável (no meio de uma escala de 7 pontos). Então Keil pediu para elas explicar como funcionam. As pessoas falharam feio. Na maioria das vezes, as pessoas simplesmente não podem articular os mecanismos que explicam mesmo as coisas mais simples. Então, quando ele pediu novamente para avaliar seu entendimento, suas classificações foram menores. Por seu próprio reconhecimento, o ato de tentar explicar tinha passado sua ilusão de compreensão. Replicamos esse achado básico muitas vezes, não só com objetos do cotidiano, mas também com posicionamentos políticos. Matthew Fisher mostrou que as pessoas superestimam sua capacidade de construir justificativas lógicas para suas crenças.

Mais evidências indiretas vêm do simples fato de que as pessoas são surpreendentemente ignorantes. 50% dos americanos não sabem que os antibióticos matam bactérias, não vírus. Apenas uma minoria pode nomear até mesmo um único juiz do Supremo Tribunal. Rebecca Lawson mostrou que as pessoas não conseguem desenhar uma bicicleta, mesmo com ajuda substancial. No entanto, as pessoas ficam surpresas quando descobrem o que não podem fazer.

É impressionante que pessoas tenham dificuldade de justificar logicamente suas crenças. Por que isso acontece?

O raciocínio humano assume algumas formas. A maioria das conclusões a que chegamos são produtos da intuição. Processos intuitivos podem ser identificados porque não temos acesso introspectivo a como eles funcionam. Nós somos conscientes apenas do seu resultado. Por exemplo, processos intuitivos fornecem conclusões armazenadas a partir da memória. Não podemos observar para ver como a memória recupera informações. Apenas serve a consciência.

Para ilustrar, a maioria de nós acredita que houve uma grande revolução na França no final do século 18. Como justificamos essa crença? A maioria de nós não é historiador. Acabamos por buscar o fato na memória. Não podemos realmente justificá-lo, exceto apelando para nossas próprias memórias, e nem podemos dizer muito sobre como recuperamos a memória. Isso apenas vem à mente. Os processos intuitivos são capazes de mais do que apenas pensamentos de memória. Eles também são capazes de reconhecimento de padrões bastante sofisticados. Se você me pedir para reconstruir o que sei sobre a Revolução Francesa, posso contar uma história. A história será bastante superficial e muitos fatos vão se perder – fatos realmente importantes – mas será bastante coerente porque meu sistema intuitivo é suficientemente sofisticado para ter algum senso de como o mundo funciona. Por exemplo, não me lembro do nome do rei, mas posso dizer que ele foi capturado antes que sua cabeça fosse cortada porque você não pode cortar a cabeça de alguém, a menos que você tenha capturado a pessoa antes. E, verdade seja dita, estou apenas chutando que sua cabeça foi cortada porque minha memória me diz que muitas pessoas tiveram a cabeça cortada naquele período. Então, a intuição é bastante poderosa, pode contar uma história muito boa. Mas é muito limitada em relação aos fatos. O cientista cognitivo Thomas Landauer calculou que os seres humanos só podem reter cerca de 1 gigabyte de informações, uma fração do que um flash drive moderno pode conter.

Além da intuição, também podemos raciocinar ponderando, pensando as coisas cuidadosamente. Mas não fazemos muito isso e não somos muito bons nisso como indivíduos. Precisamos de muita ajuda. Muitas vezes, usamos coisas para nos ajudar, como lousas e computadores. Mas, mais do que qualquer coisa, usamos outras pessoas. A maioria dos pensamentos envolve a colaboração com outras pessoas. É por isso que os cientistas têm reuniões de laboratório, porque os médicos consultam especialistas e porque é importante ter alguém com quem falar quando se está confuso ou chateado. Os indivíduos não podem justificar suas crenças, mas os grupos são ótimos para justificar as coisas (embora não necessariamente justificativas aprovadas por um filósofo). Um pouco de apoio social pode gerar muita confiança.

Por que é importante para as pessoas saberem disso?

O principal motivo é a simples curiosidade. Nos é dito para “conhecer a si mesmo” e o que poderia ser mais importante a saber do que como somos capazes mentalmente? Além disso, sabermos que somos mais ignorantes do que pensamos, deveríamos nos tornar mais humildes e dar maior respeito e gratidão pelos outros e pelo conhecimento que eles trazem à mesa. Isto é importante em todas as nossas relações humanas, seja em casa, no trabalho ou em outro lugar. E também é importante viver com os outros em uma sociedade justa e pacífica.

Conte-me mais sobre essa ideia de que o que sabemos é “social”?

As pessoas não conseguem distinguir o conhecimento que está em suas próprias cabeças do conhecimento em outro lugar (em seus corpos, no mundo e, especialmente, nas cabeças dos outros). E falhamos porque esteja ou não o conhecimento em nossas cabeças geralmente não importa. O que importa é que temos acesso ao conhecimento. Em outras palavras, o conhecimento que usamos reside na comunidade. Participamos de uma comunidade de conhecimento. O pensamento não é feito por indivíduos. É feito por comunidades. Isso é verdade em níveis macro: valores e crenças fundamentais que definem nossas identidades sociais, políticas e espirituais são determinadas por nossas comunidades culturais. Também é verdade no micro-nível: somos colaboradores naturais, membros cognitivos de equipe. Nós pensamos em conjunto com os outros usando nossa habilidade única de compartilhar intencionalmente.

Os indivíduos raramente são bem descritos como processadores racionais de informações. Em vez disso, geralmente canalizamos nossas comunidades.

O que você quer dizer com “Nós somos membros cognitivos de uma equipe”?

A mente deliberativa é projetada para trabalhar com outras pessoas. Quando estamos atravessando a rua, temos que pensar sobre o que os motoristas que se aproximam estão pensando, e muitas vezes fazemos contato visual com eles para confirmar que estamos na mesma página. Esse tipo de engrenagem cognitiva é ainda mais evidente quando nos envolvemos em qualquer atividade de grupo: praticando esportes, sentados à mesa de jantar contando piadas, consertando o carro ou tentando desvendar o código genético. Nós pensamos juntos. Nós alimentamos as intuições uns dos outros, completamos os pensamentos uns dos outros, temos conhecimento de que outros podem fazer uso. Existe uma divisão do trabalho cognitivo.

Alguns antropólogos cognitivos construiram um forte argumento de que os seres humanos são os únicos animais – de fato, os únicos sistemas cognitivos – capazes desse tipo de colaboração. Os seres humanos são capazes de compartilhar a intencionalidade. Nós não apenas perseguimos objetivos coletivos como muitos animais podem fazer (por exemplo, algumas espécies caçam em bandos), mas buscamos um objetivo comum em conjunto. Quando, por exemplo, uma criança e um pai estão construindo um castelo de areia juntos, eles estão literalmente compartilhando pensamentos. Eles estão buscando um resultado final comum e o fazendo com conhecimento que eles têm em comum, sobre o tempo, as marés (se eles estiverem na praia), a disponibilidade de ferramentas, etc. Se alguém enfrentar um problema, o outro pode ajudar. Isso exige que eles entendam que eles compartilham um objetivo. Há experiências inteligentes que demonstram que esse tipo de compartilhamento de estados mentais é comum e fácil para crianças novas, ainda além das capacidades de nossos parentes genéticos mais próximos, os chimpanzés.

Como você acha que a tecnologia se encaixa nisso?

A tecnologia se encaixa de muitas maneiras. Primeiro, exacerba a ilusão do conhecimento porque é uma poderosa fonte de informação. Estudos conduzidos por Adrian Ward e outros mostraram que nos sentimos mais inteligentes com o Google. Claro que sim, desde que tenhamos acesso a ele. É uma fonte de informação como nenhuma outra. É talvez o membro mais importante da nossa comunidade de conhecimento. Mas seu papel é diferente dos outros seres humanos, devido à falta de uma habilidade crítica que os humanos possuem: o Google não compartilha nossa intencionalidade. Não lê nossas mentes para descobrir o que estamos procurando. Às vezes, faz uma boa imitação de um ser humano porque algum programador inteligente descobriu o que seria uma boa resposta a uma consulta. Mas a astúcia nesse caso está no programador humano, não na máquina. Como resultado, devemos ter cuidado com a tecnologia. Softwares de GPS direcionaram muitos motoristas de maneira errada, às vezes fazendo com que eles dirigissem para lagos. E houve desastres causados pelo excesso de confiança na tecnologia, porque as vezes tratamos nossa tecnologia como se estivéssemos compartilhando nossos objetivos, como se o Google fosse um humano. Então, temos que permanecer vigilantes.

Mas o papel mais assustador da tecnologia é o que ela desempenha nos nossos sistemas sociais. É muito fácil viver hoje em uma bolha de indivíduos com mentalidade semelhante à nossa nas mídias sociais. Na verdade, é difícil não viver nessa bolha. E os maiores sites apenas nos dizem o que queremos ouvir, coisas que concordam com a visão que já temos. Como resultado, poderíamos receber notícias completamente diferentes das pessoas de outros lados da divisão política. Podemos estar vivendo em mundos inteiramente diferentes em relação à informação que temos sobre o que está acontecendo no mundo. Esta é uma receita para a tensão social. E estamos vendo exatamente esse tipo de tensão e os danos que pode causar.

DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?

Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.

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