Assim como a vida imita a vida, a pessoa imita o social
Pessoalidade é uma dimensão social que define o humano propriamente dito. A pessoa não é o indivíduo de uma espécie. A pessoa não nasce. A pessoa não morre. A pessoa é um clone de uma configuração social. O que chamamos de pessoalização é o processo social de geração da pessoa.
Quando vida humana e convivência social se aproximam — e isso pode ser notado mais facilmente com o aumento da interatividade — revelam-se os “tanques” onde somos gerados como seres propriamente humanos. Esses “tanques” onde somos clonados como pessoas são clusters, “regiões” da rede social a que estamos mais imediatamente conectados. Deve-se entender a palavra clone no sentido da fenomenologia da interação chamada cloning. As pessoas não são clones (no sentido de cópias) de indivíduos, e sim no sentido de que assim como a vida imita a vida (o sentido original do termo klon — do grego κλώνος — usado para designar “broto” ou “rebento”) a pessoa imita o social. Trata-se de um clone de uma configuração de pessoas. “Toda pessoa — dizia Novalis (1798) — é uma pequena sociedade”; quer dizer, pessoa já é rede! Pessoal é um ente que replica uma configuração social.
Em um mundo fracamente conectado, os caminhos são individuais. Cada pessoa vive sua vida, faz suas escolhas, estabelece suas rotinas e toma suas iniciativas sob a influência das demais, é claro, mas como se fosse uma unidade separada. Convive, por certo, com as demais, mas essa convivência é vivida como distinta daquela outra vida, que seria a sua própria vida. Pode viver a ilusão de que vive sua vida, fazendo suas escolhas, estabelecendo suas rotinas e tomando suas iniciativas de modo autônomo. Pode alimentar a crença de que já surgiu no mundo como pessoa, quer em virtude de uma instância super-humana que assim a tenha criado, quer por força da genética (o “sangue”) e das experiências particulares pelas quais passou logo após seu nascimento (o “berço”).
Em mundos altamente conectados tende a se esvair essa separação entre vida humana e convivência social. Nossas escolhas racionais raramente são (só) nossas: reproduzimos padrões, imitamos comportamentos e cooperamos com outras pessoas sem ter feito individualmente e conscientemente tais escolhas. Adotamos princípios, escolhemos carreiras, compramos produtos e priorizamos atividades em função do que fazem as pessoas que se relacionam conosco ou que estão ligadas a nós em algum grau próximo de separação, muitas vezes pessoas que nem conhecemos (como os amigos dos amigos de nossos amigos).
Vivemos então, cada vez mais, a vida do nosso mundo constituído pela convivência e não apenas a nossa vida individual. Isso ocorre na razão direta da interatividade do mundo em que estamos imersos. O fluxo da nossa timeline (no espaço-tempo dos fluxos) pode chegar a atingir tal intensidade ou densidade que, no limite, não podemos mais afirmar inequivocamente que há um eu que deseja, julga, raciocina, escolhe e almeja de forma autônoma em relação à nuvem de conexões que nos envolve. Ao mesmo tempo, sentimos e sabemos que continuamos sendo uma pessoa, única, totalmente diferenciada. Mas ao viver a nossa vida (a vida humana única dessa pessoa que somos), vivemos, na verdade, a convivência (social, também única, desse mundo construído pelo emaranhado de conexões onde estamos fluindo e que nos constitui como seres propriamente humanos).
O social passa a ser o modo de ser humano nas redes com alta tramatura dos novos mundos de interatividade elevada. Em outras palavras, passamos a constituir um organismo humano “maior” do que nós. Passamos a compartilhar muitas vidas, com tudo o que isso compreende: memórias, sonhos, reflexões de multidões de pessoas, que ficam distribuídas por todo esse superorganismo humano (e é desse ponto de vista que faz sentido a hipótese de que existe algo como um simbionte social se prefigurando). Podemos ter acesso imediato a um conjunto enorme de informações e, muito mais do que isso, podemos gerar conhecimentos novos com uma velocidade espantosa e com uma inteligência tipicamente humana (não de máquinas, computadores ou alienígenas), porém assustadoramente diferente daquela que experimentamos quando não vivemos a nossa convivência.
Os “tanques” onde somos gerados como seres propriamente humanos são os clusters onde convivemos com outras pessoas (seres que já foram humanizados pelo mesmo processo) a partir do nascimento. De sorte que não somos humanos apenas por força da genética, da reprodução ou da hereditariedade biológica (que replicamos como indivíduos da espécie Homo Sapiens) e sim em virtude da rede social em que com-vivemos, cuja configuração particular replicamos como pessoas. Aquele que é geneticamente humanizável só consuma tal condição a partir do relacionamento com seres humanizados. Somos (enquanto seres sociais) filhos da rede social. E não podemos ser humanos sem esse tipo de relacionamento. Como — diz-se — reza uma máxima Zulu, “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”.
A rigor, como uma configuração de pessoas está sempre ligada a outras configurações, todas as pessoas estão de algum modo emaranhadas (entangled) no espaço-tempo dos fluxos (quem sabe não era isso que chamávamos de humanidade, uma prefiguração). Assim, no limite, todas as pessoas são feitas de todas as outras pessoas.
Nessas condições, a identidade da pessoa não é a manutenção de uma condição pregressa e sim uma trajetória particular de mudanças. Nenhuma pessoa é igual à outra, cada pessoa é unique na medida em que não há duas trajetórias iguais.
(O trecho acima é um dos comentários à nova visão interativista da aprendizagem tomada como base para o programa de configuração de ambientes inovadores de aprendizagem chamado INOVA.EDU)
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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