Então tem aquele pessoal que advoga que as mudanças radicais são inviáveis, utópicas e que as coisas só melhoram de fato com pequenas mudanças, melhoramentos incrementais, aperfeiçoamentos paulatinos. Devo dizer que esse pessoal tem toda razão, do seu ponto de vista. Do ponto de vista institucional é assim mesmo que ocorre.
Vou tomar como exemplo o caso da educação. Todo mundo reclama da educação. Mas quando se pergunta: a educação pode ser reinventada? Todos – ou quase todos – responderão: claro que pode! Todavia, acrescentarão aqueles, os defensores das mudanças viáveis, que segundo eles só podem ser gradativas: mas não de uma vez! Raciocinam mais ou menos na base do ditado popular: de grão em grão a galinha enche o papo. Ou na base da crença racionalista leibnitziana do século 17: a natureza não dá saltos. Ou evocam ainda o gradualismo presente nas ideologias conservadoras: afinal, Roma não se fez num dia.
Os que pensam assim imaginam que as instituições atuais não suportarão mudanças bruscas, inovações disruptivas (esquecendo-se de que toda inovação propriamente dita é disruptiva, mas por ora vamos deixar isso de lado), transformações radicais. E é claro que organizações hierárquicas regidas por modos, predominantemente, autocráticos, não aceitam mesmo modificações de hardware (ou na programação do seu firmware). Quando elas falam que querem mudar, sua estrutura e sua dinâmica ficam fora da mudança. Elas até aceitam instalar um novo software. Mas não se tente mexer naquilo que, segundo sua visão homeostática, pode alterar seus parâmetros de adaptação. Toda organização desse tipo – seja, no caso, uma escola ou universidade – quer mudar sem mudar.
Então parece claro que os fiéis das pequenas mudanças estão absolutamente certos no que dizem. Onde estaria, portanto, o problema?
O problema é que instituições não mudam por dentro, sem mudanças no meio ou no ecossistema onde estão inseridas. O que chamamos de educação já está mudando, não por iniciativa das instituições de ensino e sim em virtude das mudanças na estrutura e na dinâmica das sociedades, que agora estão mais interativas e, portanto, mais conectadas; e, portanto, têm à sua disposição mais caminhos para que as pessoas possam aprender por si mesmas em processos autodidáticos de busca e em processos alterdidáticos de polinização. O conhecimento está espalhado na rede social e essa rede aumenta velozmente o seu grau de distribuição e, como consequência, diminui drasticamente os seus graus de separação. De sorte que – agora e cada vez mais – uma pessoa pode aprender rapidamente o que quer aprender (seja o que for, de permacultura à teoria das cordas), sem necessidade de se ajoelhar nos altares dos tribunais epistemológicos (que constituem essas corporações meritocráticas medievais resilientes que chamamos de universidades) ou de se sujeitar às regras das burocracias do ensinamento (que chamamos de escolas).
É o ambiente – o meio, o ecossistema – que está mudando e, como disse McLuhan em 1974: “é o ambiente que muda as pessoas, não a tecnologia”. As mudanças ambientais (em termos sociais) estão sendo tão vertiginosas que exigem das instituições nada menos do que mudanças disruptivas e não pequenos aperfeiçoamentos incrementais, sob pena das pirâmides que ainda resistem num mundo cada vez mais em rede não conseguirem mais conservar a sua adaptação pelo mesmo movimento que conservam sua organização (para lembrar uma formulação de Maturana).
Os gradualistas são plenamente capazes de entender isso. Mas eles continuam sendo gradualistas porque, em geral, querem trabalhar na área da educação (para seguir com o nosso exemplo, mas o que se diz aqui valeria para qualquer área) como empregados ou consultores de alguma instituição de ensino. Então eles pensam: se eu falar essas coisas serei visto como radical demais, quem sabe incendiário; ou contrariarei os interesses da minha categoria profissional. Como consequência, me arriscarei a perder o emprego ou não conseguirei fechar contratos de consultoria com as instituições tradicionais, que passarão a me ver como um cara outsider, problemático e… até mesmo perigoso. Logo, a melhor alternativa, mesmo que estejam vendo o que todo mundo vê, é fazer boca de siri.
Ou seja, é porque querem conservar um modo-de-vida – e não porque não tenham condições de ver o óbvio – que os que querem salvar as instituições do incêndio, reciclá-las, aggiorná-las para não abandoná-las ou reinventá-las se comportam de modo conservador. Eles ficam pensando: o que vou fazer se perder a garantia do salário mensal, das férias, do décimo-terceiro, do plano de saúde?
E assim, se são suficientemente inteligentes (e todos o são, pelo menos para cuidar da sua sobrevivência, pois com isso não se brinca e para proteger os próprios interesses materiais egotistas), os conservadores constroem teorias e urdem narrativas para mostrar que a coisa – a mudança – não pode ser assim de uma vez (como querem os radicais), que tem que ir com jeito, que temos de ter muita calma nesta hora… E que, afinal, o diabo não é assim tão feio quanto se pinta. E aí eles passam, ato contínuo, a caçar exemplos de inovações que estão brotando nas velhas instituições hierárquico-autocráticas a que servem. Olhem só quanta coisa legal, bacana, está surgindo! Sinal de que, sim, podemos reinventar a educação de modo que não mexa com as burocracias do ensinamento, com as fábricas educativas que produzem em série alunos formatados para se adequar a uma sociedade que, a rigor, nem existe mais.
Claro que existem pessoas honestamente convencidas disso. Estão vendo o que estão querendo ver. Mas, na maior parte dos casos, é de medo mesmo que se trata. São mentes aprisionadas pelo medo (naquele sentido de que falava Krishnamurti). Medo de não ter as garantias que as hierarquias lhe oferecem. Medo de não conseguir sobreviver tendo que inventar e reinventar, continuamente, os seus meios de sobrevivência. Medo de perderem o papel social que lhes disseram que tinham (minhas conversas com professores sobre o tema invariavelmente terminam com a pergunta: tudo bem, mas quem vai selecionar o conteúdo bom e separá-lo do conteúdo ruim?). Esse pessoal acaba acreditando mesmo que tem um papel eterno de juízes do conhecimento correto e de avaliadores dos processos de aprendizagem dos outros.
Tudo bem, algumas instituições de ensino perdurarão por muito tempo. Serão como aquelas cianobactérias, que conseguiram sobreviver se protegendo do oxigênio (liberado na atmosfera terrestre até atingir à concentração espantosa de 20%). Algumas podem ser encontradas até hoje em ambientes lacustres (principalmente hipersalinos), ambientes congelados, sob o folhiço de florestas, entre outros. Outras espécies são endossimbiontes em líquens ou em vários protistas e corais, fornecendo energia aos seus hospedeiros, hehe… Mas uma parte das bactérias aprendeu, quer dizer, conseguiu mudar de acordo com a mudança das circunstâncias e hoje respira tranquilamente o oxigênio (se não fosse por isso, aliás, não estaríamos aqui). Imagino que pode ter sido assim, mas se não for perco apenas a metáfora, não o argumento.
A adaptação resistente, todavia, não parece ser um caminho melhor, se nosso desejo é aprender – i. e., mudar com as mudanças do meio – do que a adaptação que vou chamar de criativa. Se o ambiente social está mudando rapidamente e radicalmente – fato de que ninguém, em sã consciência, pode duvidar – nossa preocupação não deveria ser a de resistir senão a de fluir com o fluxo, habilitando-nos para fazer e refazer coerências múltiplas e recíprocas com o meio em mudança.
Como é triste ver pessoas que se dizem inovadoras, tentando salvar as instituições a que servem ou que lhes dão emprego, como se instituições hierárquicas fossem mais importantes do que a rede social. Ao fazerem isso, esses pretensos inovadores comportam-se, via de regra, de modo mais conservador do que aqueles que eles julgavam conservadores. E aí, em vez de pensarem como reinventar os processos educativos, tentam manter o mesmo padrão anacrônico do ponto de vista social colocando algum tempero tecnológico: por exemplo, distribuindo tablets para os alunos, usando um novo aplicativo para smatphones, mas não mexendo um milímetro na separação de corpos docente x discente que caracteriza a burocracia do ensinamento chamada escola.
Esse pessoal supostamente moderninho vai então, na sua tentativa de conservar e repetir passado, desqualificar Leon Tolstoi (ah! esse não vale: era anarquista), desconsiderar os depoimentos de Carl Rogers (muito personalistas e ele não entendia nada de educação), criticar Ivan Illich (ora, esse então não passava de um utópico radical), torcer o nariz para John Holt (que baseou-se apenas na sua experiência pessoal, desconsiderando todos os maravilhosos desenvolvimentos da pedagogia) e não-ouvir mais Pink Floyd (um bando de irresponsáveis) – ou seja, vai tentar deslegitimar todos esses e muitos outros que pioneiramente chamaram a nossa atenção para o fundamental: a escola é prejudicial, é preciso renunciar ao ensino, a escalada das escolas é tão destrutiva quanto a escalada armamentista, ensinar não produz aprendizagem e… “Hey! Teachers! Leave them kids alone!”
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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