Um tributo a John Holt
John Holt faleceu em setembro de 1985, antes que pudesse concluir o livro – Aprendendo o tempo todo (“How small children begin to read, write, count, and investigate the world, without being taught“) – do qual o título acima constitui o último tópico do último capítulo. Para mim foi uma boa surpresa encontrar e ler este pequeno texto, pois a reflexão de Holt casa perfeitamente com minhas investigações sobre OpenScience (e eu não sabia). Transcrevo abaixo:
“Uma das coisas mais importantes, entre muitas que aprendi sobre as crianças – depois de acompanhá-las por anos, observar cuidadosamente o que fazem e pensar sobre isso -, é que elas são aprendizes naturais.
A única coisa de que podemos estar seguros, ou mais seguros, é que elas têm um desejo apaixonado de compreender o mundo sob vários aspectos, incluindo o que não podem ver ou tocar, assim como desejam adquirir todos os tipos de habilidades e competência que lhes permitam exercer controle sobre o mundo. Agora, esse desejo, essa necessidade de compreender o mundo e de ser capaz de fazer coisas nele – as coisas que gente grande faz – é tão forte que podemos, sem risco de erro, chamá-lo de biológico. É tão forte como a necessidade de alimento, de calor, de apoio, de conforto, de sono, de amor. De fato, penso que se trata de um desejo ainda mais forte do que todos estes.
Uma criança faminta, mesmo no caso de um bebezinho que experimenta a fome como uma dor real, vai parar de comer ou de se amamentar se algo interessante acontecer, porque vai querer ver o que está acontecendo. Essa curiosidade, esse desejo de extrair algum sentido das coisas, vai direto ao coração do tipo de criaturas que nós somos.
Crianças não são apenas extremamente boas em aprender; elas são muito melhores nisso do que nós, adultos. Como professor, levei muito tempo para descobrir isso. Eu era um professor engenhoso e cheio de recursos, hábil no planejamento de aulas, demonstrações, formas de motivação e toda a parafernália pedagógica possível. E foi somente aos poucos, e dolorosamente – acreditem em mim: dolorosamente -, que aprendi o seguinte: quando passei a ensinar menos, as crianças começaram a aprender mais.
Posso resumir em cinco ou sete palavras o que casualmente aprendi como professor. A versão de sete palavras é esta: “Aprender não é o produto de ensinar”. A versão de cinco palavras é esta: “Ensinar não produz aprendizagem”. Como mencionei antes, a educação formal opera com o pressuposto de que as crianças aprendem somente o que, quando e porque lhes ensinamos. Isso não é verdade. Está, de fato, muito perto de ser 100% falso.
Os aprendizes fazem aprendizagem. Os aprendizes criam aprendizagem. A razão pela qual isso foi esquecido é que a atividade de aprender foi transformada em um produto chamado “educação”, exatamente como a atividade, a disciplina de cuidar da saúde das pessoas se tornou produto do “cuidado médico”, e a atividade de inquirir sobre o mundo se tornou produto da “ciência”, uma coisa especializada presumidamente possível de ser feita apenas por pessoas com complicados aparatos de milhões de dólares. Mas saúde não é um produto, e ciência é algo que você e eu fazemos a cada dia de nossa vida. De fato, a palavra ciência é sinônima de aprendizagem.
O que fazemos quando aprendemos, quando criamos aprendizagem? Bem, nós observamos, olhamos, ouvimos. Tocamos experimentamos, cheiramos, manipulamos e, às vezes, medimos ou calculamos. E então nos interrogamos dizendo: “Bem, por que isso?”, ou “Por que isso é assim?”, ou “Podemos fazer isso acontecer de modo diferente ou melhor?”, ou “Podemos eliminar a cochonilha do pé de feijão?”, ou “Podemos colher mais frutas do que as que colhemos este ano?”, ou o que quer que seja. E então inventamos teorias, que os cientistas chamam de hipóteses; damos palpites dizendo: “Bem, talvez seja por causa disso”, ou “Talvez por causa daquilo”, ou “Pode ser que, se eu fizer isso, aconteça aquilo”. E depois testamos essas teorias ou hipóteses.
Podemos testá-las simplesmente fazendo perguntas a pessoas que pensamos saberem mais do que nós, ou por meio de observações posteriores. Podemos nos dizer: “Não sei absolutamente o que é isso, mas pode ser que observando por mais tempo, eu venha a descobrir”. Ou talvez, ainda, tratemos de fazer um experimento planejado: “Vou colocar essa substância no feijão e ver se as cochonilhas morrem”, ou “Vou tentar fazer algo mais”. E a partir dessas atitudes, de várias maneiras, podemos ou descobrir que nossos palpites não eram tão bons, ou talvez que eles eram realmente bons, e então continuamos, observamos mais e especulamos mais ainda. Fazemos novas perguntas, novas teorias e testamos novamente.
Esse processo cria aprendizagem e todos nós o praticamos – não apenas o pessoal do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ou o de qualquer outra instituição científica famosa. Nós fazemos isso. E isso é também o que as crianças fazem. Elas trabalham duro nesse processo durante todo o tempo em que estão acordadas. Quando não estão comendo ou dormindo, estão criando conhecimento. Estão observando, pensando, especulando, teorizando, testando e experimentando – o tempo todo -, e são muito melhores nisso do que nós. A ideia de que podemos ensinar às crianças como aprender tornou-se para mim claramente absurda.
Enquanto eu escrevia este texto, chegou, como se por mágica coincidência, uma longa carta de uma mãe. A certa altura ela escreve algo que me parece tão bom que podia ser um título para este livro. “Toda vez que penso em algo para lhes ensinar, descubro que eles já o sabem”.
As crianças aprendem tudo que veem ou experimentam. Aprendem em qualquer lugar que estejam, não apenas em lugares especialmente feitos para aprender. Aprendem muito mais com as coisas, naturais e artificiais, que são reais e existem no mundo, do que com as coisas feitas especialmente para que as crianças possam aprender com elas. Em outras palavras, estão mais interessadas nos objetos e ferramentas que usamos em nossa vida cotidiana do que com quase todos os materiais especialmente feitos para a aprendizagem. Podemos auxiliar melhor a aprendizagem das crianças se trabalharmos tanto quanto possível para tornar o mundo acessível a elas. Isso ajudará mais do que se ficarmos decidindo o que achamos que devam aprender e pensando em modos engenhosos de lhes ensinar tais conteúdos. Será melhor se prestarmos seriamente atenção no que elas fazem; se respondermos a suas questões, quando as tiverem; e se as ajudarmos a entender as coisas nas quais estão interessadas. Os modos pelos quais podemos fazer isso são simples e facilmente compreensíveis pelos pais e por outras pessoas que gostem de crianças e que assumam a tarefa de prestar atenção no que elas fazem e de pensar no que querem significar com suas ações. Em resumo: o que precisamos saber para ajudar as crianças a aprender não é obscuro, nem técnico, nem complicado. E os materiais de que precisamos para ajudá-las repousam, prontos e à mão, a nossa volta”.
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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