Escrevi dois livros com Ruth Cardoso. O primeiro deles – e o mais importante em termos de concepção – foi CARDOSO, Ruth, FRANCO, Augusto & DARCY, Miguel. Um novo referencial para a ação social do Estado e da Sociedade. Brasília: PNUD, 2000. Infelizmente não tenho a versão digital do livro – editado em português, inglês e espanhol – para pendurar aqui.
Me refiro agora a esse livro porque o seu segundo capítulo tem como título: “Não há contradição entre políticas públicas e dinâmicas comunitárias, entre oferta de serviços e fortalecimento do capital social local”.
Pois bem. Dezessete longos anos se passaram, Ruth faleceu (em 2008), as teses do livro deram base para programas inovadores de combate à pobreza e indução do desenvolvimento que foram experimentados em milhares de localidades de todo o país.
Até que veio a noite – algo assim que, na época, encaramos como uma espécie de Winter is Coming – e os novos policy makers que assumiram em 2003 resolveram viajar no tempo, para os anos 80 do século passado, como se estivessem nos debates da Constituinte, e voltaram a falar de geração de emprego e renda, políticas de assistência em vez de políticas de indução do desenvolvimento e de proteção em vez de promoção.
Até aí tudo previsível: os que assumiram, ocupados em estruturar uma organização hierárquica para conquistar hegemonia sobre a sociedade, não viram os anos 90 passar. Mas o problema é que esse interregno de mais de uma década provocou um retrocesso, em termos de concepção, que se arrasta até hoje.
Aqueles mundos sociais que conformamos foram exterminados – juntamente com seus conceitos, teorias e práticas – e até seus agentes se desconectaram desmanchando a maior rede de promoção do desenvolvimento, na base da sociedade brasileira, que foi formada no Brasil contemporâneo. De sorte que hoje você fala em capital social (ou em rede como ambiente favorável à cooperação: é a mesma coisa) e as pessoas não sabem bem do que se trata.
Não foram só os novos governantes e seus agentes políticos e sociais que retrogradaram: isso arrastou também para o passado os que se opunham a eles. E aí apareceram liberais e liberais-conservadores retomando formulações anacrônicas, de meados do século 20, sem sequer suspeitar que havia sido aberto um caminho sociocêntrico, que nem era o estadocentrismo (dos que estavam do outro lado da muralha) e nem era ao mercadocentrismo (dos que queriam defender a muralha).
Em suma, foi isso o que aconteceu. Os estatistas que assumiram o comando não apenas marcharam para trás, mas sequestraram a sua oposição em algum lugar remoto do mundo que já passou.