Este artigo contém dois textos de Carl Rogers sobre a educação: Reflexões pessoais sobre ensinar em aprender, de 1952 e Para além do divisor de águas: onde agora?, de 1980.
REFLEXÕES PESSOAIS SOBRE ENSINAR E APRENDER
ROGERS, Carl (1952): Reflexões pessoais sobre ensinar e aprender in Tornar-se Pessoa (1961), Capítulo XI.
1 – Este capítulo é o mais curto deste livro, mas, se minha experiência pode servir de critério, será igualmente o mais explosivo. Ele tem (para mim) uma história divertida.
2 – Eu tinha aceitado, com alguns meses de antecedência, participar de uma reunião de estudo organizada pela Universidade de Harvard sobre o seguinte tema: “Perspectivas sobre a influência das aulas no comportamento humano “. Tinham me pedido para fazer uma demonstração do “ensino centrado no aluno” — ensino fundamentado nos princípios terapêuticos que eu procurava aplicar à educação. Parecia-me, no entanto, que gastar duas horas com um grupo já adiantado de alunos para tentar ajudá-los a formular os seus próprios objetivos e responder ao que eles pensavam, acompanhando-os nesse intento, seria bastante artificial e pouco satisfatório. Não sabia o que fazer ou apresentar.
3 – Nessa conjuntura, parti para o México para uma das nossas viagens de inverno, pintei, escrevi e tirei fotografias, mergulhando ao mesmo tempo nas obras de Soeren Kierkegaard. Tenho certeza de que o esforço honesto deste autor para chamar as coisas pelo seu nome me influenciou mais do que eu pensava.
4 – Quando estava prestes a regressar tive de enfrentar a minha obrigação. Lembrei-me de que conseguira por vezes iniciar durante as aulas discussões verdadeiramente significativas, exprimindo uma opinião pessoal e tentando depois compreender e aceitar as reações e os sentimentos muitas vezes extremamente divergentes dos estudos. Pensei que seria esta a forma de levar a cabo a minha tarefa em Harvard.
5 – Pus-me então a escrever, da maneira mais séria que me era possível, as minhas experiências em relação ao ensino, tal como este termo é definido nos dicionários, bem como a minha experiência com a aprendizagem. Estava muito longe dos psicólogos, dos pedagogos e de colegas cautelosos. Escrevia simplesmente o que sentia, com a certeza de que, se não o estivesse fazendo corretamente, a discussão me ajudaria a voltar ao caminho certo.
6 – É possível que houvesse ingenuidade da minha parte, mas não considerava o material assim preparado inflamável. E depois, pensava eu, todos os participantes na reunião de estudo eram cultos, professores habituados à autocrítica, ligados por um interesse comum pelos métodos de discussão nas aulas.
7 – Quando cheguei à reunião, apresentei minhas ideias tal como as tinha escrito, gastando nisso apenas alguns momentos, e declarei aberta a discussão. Aguardava uma resposta, mas não estava à espera do tumulto que se seguiu. A emoção era intensa. Parecia que eu lhes estava ameaçando o emprego, que estava, evidentemente, dizendo coisas cujo sentido me escapava, etc., etc. De vez em quando, surgia uma voz calma de apreciação de um professor que sentia o mesmo, mas que nunca ousara formulá-lo.
8 – Parecia que nenhum dos membros do grupo se lembrava de que a reunião consistia numa demonstração do ensino centrado no estudante. Tenho, no entanto, a esperança de que, ao reconsiderarem o que se passou, cada um compreenderá que viveu uma experiência do ensino centrado no aluno. Recusei defender-me com respostas às perguntas e aos ataques que surgiam de toda a sala. Procurei aceitar e entrar num contato empático com a indignação, a frustração, as críticas que os participantes manifestavam. Acentuei que tinha simplesmente expresso algumas perspectivas pessoais. Não pedia, nem esperava, que os outros concordassem comigo. Depois de muito barulho, os membros do grupo começaram a exprimir com uma franqueza crescente, seus próprios sentimentos significativos com relação ao ensino — sentimentos muito divergentes dos meus e divergentes entre si. Foi uma sessão extremamente estimulante para a reflexão. Pergunto se algum dos participantes dessa reunião conseguiu esquecê-la.
9 – O comentário mais significativo partiu de um dos participantes da reunião, na manhã seguinte, quando me preparava para deixar a cidade. Disse-me só o seguinte: “Você ontem tirou o sono de muita gente”.
10 – Não fiz qualquer tentativa para publicar esse curto fragmento. Meus pontos de vista sobre a psicoterapia já tinham feito de mim uma ‘figura controversa’ entre psicólogos e psiquiatras. Não queria acrescentar os educadores a essa lista. O texto foi, no entanto, amplamente divulgado entre os participantes da reunião e, alguns anos mais tarde, duas revistas pediram autorização para publicá-lo.
11 – Depois destes fundamentos históricos, talvez fiquem desapontados com o texto. Pessoalmente, nunca pensei que fosse incendiário. Ele continua a traduzir alguns dos meus mais arraigados pontos de vista no campo da educação.
12 – Pretendo apresentar algumas breves observações, na esperança de que, se provocarem reações de sua parte, eu possa clarificar minhas próprias ideias.
13 – Acho que pensar é uma coisa embaraçosa, particularmente quando penso nas minhas próprias experiências e procuro extrair delas a significação que parece ser genuinamente inerente a elas. A princípio, estas reflexões são bastantes satisfatórias porque parecem levar à descoberta de um sentido e de uma certa estrutura num todo complexo de elementos isolados. Mas, depois, frequentemente isso se toma desanimador porque compreendo como essas reflexões, que têm para mim tanto valor, parecem ridículas a muita gente. Tenho a impressão de que, quase sempre, quando tento descobrir o significado da minha própria experiência, me vejo levado a conclusões consideradas absurdas.
14 – Procurarei por conseguinte condensar, em três ou quatro minutos, aquilo que extraí da experiência das aulas e da experiência na terapia individual ou de grupo. O resultado não procura ser uma conclusão seja para quem for ou um guia para o que os outros deveriam ser ou fazer. Trata-se de uma expressão muito provisória do significado que, em abril de 1952, minha experiência tinha para mim e algumas das questões perturbadoras levantadas pelo seu caráter absurdo. Vou formular cada uma das idéias a que cheguei num parágrafo separado, não porque se alinhem segundo uma ordem lógica qualquer, mas porque cada resultado tem uma importância que lhe é específica.
15 – a) Posso tomar como ponto de partida a seguinte ideia, dado o objetivo dessa reunião. Segundo minha experiência, não posso ensinar a outra pessoa a maneira de ensinar. Trata-se de uma tentativa que é, para mim, a longo prazo, vã.
16 – b) Creio que aquilo que se pode ensinar a outra pessoa não tem grandes consequências, com pouca ou nenhuma influência significativa sobre o comportamento. Isto parece ato ridículo que não posso deixar de colocá-lo em dúvida ao mesmo tempo que o estou formulando.
17 – c) Compreendo cada vez melhor que apenas estou interessado nas aprendizagens que tenham uma influência significativa sobre o comportamento. É muito possível que se trate unicamente de uma idiossincrasia pessoal.
18 – d) Sinto que o único aprendizado que influencia significativamente o comportamento é o aprendizado autodescoberto, auto-apropriado.
19 – e) Um conhecimento autodescoberto, essa verdade que foi pessoalmente apropriada e assimilada na experiência, não pode ser comunicada diretamente a outra pessoa. Assim que um indivíduo tenta comunicar essa experiência diretamente, muitas vezes com um entusiasmo absolutamente natural, começa a ensinar, e os resultados disso não têm consequências. Animou-me recentemente descobrir que Soeren Kierkegaard, o filósofo dinamarquês, chegara a uma conclusão idêntica, partindo da sua própria experiência, e a exprimira com toda a clareza há cerca de um século. Parece portanto menos absurdo.
20 – f) Como consequência do que se disse no parágrafo anterior, compreendi que tinha perdido o interesse em ser professor.
21 – g) Quando tento ensinar, como faço às vezes, fico consternado pelos resultados, que me parecem praticamente inconsequentes, porque, por vezes, o ensino parece ser bem-sucedido. Quando isso acontece, verifico que os resultados são prejudiciais, parecem levar o indivíduo a desconfiar da sua própria experiência e isso destrói uma aquisição de conhecimentos que seja significativa. Por isso, sinto que os resultados do ensino ou não têm importância ou são perniciosos.
22 – h) Quando considero os resultados do meu ensino passado, a conclusão real parece ser a mesma — ou foi prejudicial ou nada de significativo ocorreu. Isto é francamente aflitivo.
23 – i) Por conseguinte, compreendi que estava unicamente interessado em ser um aluno, de preferência em matérias que tenham qualquer influência significativa sobre o meu próprio comportamento.
24 – j) Sinto que é extremamente compensador aprender em grupo, nas relações com outra pessoa, como na terapia, ou por mim mesmo.
25 – k) Julgo que, para mim, uma das melhores maneiras, mas das mais difíceis, de aprender é abandonar minhas defesas, pelo menos temporariamente, e tentar compreender como é que a outra pessoa encara e sente a sua própria experiência.
26 – l) Para mim, uma outra forma de aprender é confessar minhas próprias dúvidas, procurar esclarecer meus enigmas, afim de compreender melhor o significado real da minha experiência.
27 – m) Toda essa série de experiências e de conclusões a que cheguei lançaram- me num processo que tanto é fascinante como, por vezes, aterrorizador. Ou seja, parece indicar que devo me deixar levar por minha experiência numa direção que me parece positiva, para objetivos que posso definir obscuramente, quando procuro compreender pelo menos o significado normal dessa experiência. Isto dá a sensação de flutuar numa corrente complexa de experiência, com a possibilidade fascinante de compreender a complexidade das suas constantes alterações.
28 – Receio ter-me afastado do problema em discussão: aprender e ensinar. Permitam-me que volte a introduzir uma observação prática, declarando que essas interpretações da minha própria experiência, por si mesmas, podem parecer estranhas e aberrantes mas não particularmente chocantes. E é no momento em que compreendo suas implicações que estremeço um pouco ao ver o quanto me afastei do mundo do senso comum que, como todos sabem, está certo. Posso ilustrá-lo dizendo que, se a experiência dos outros for semelhante à minha e se eles tiverem chegado a idênticas conclusões, decorrerão deste fato inúmeras consequências:
29 – a) Uma tal experiência implicaria que se deveria renunciar ao ensino. As pessoas teriam de reunir-se se quisessem aprender.
30 – b) Devíamos renunciar aos exames. Eles medem apenas o tipo de ensino inconsequente.
31 – c) Pela mesma razão, deveríamos acabar com diplomas e graus acadêmicos.
32 – d) Deveríamos abandonar os diplomas como títulos de competência, em parte pela mesma razão. Outra razão reside no fato de um diploma marcar o fim ou a conclusão de alguma coisa, e aquele que aprende está unicamente interessado em continuar a aprender.
33 – e) Uma outra implicação seria abolir a exposição de conclusões, pois compreenderíamos que ninguém aprende nada de significativo a partir de conclusões.
34 – Julgo que é melhor ficar por aqui. Não quero precipitar-me no fantástico. O que sobretudo pretendo saber é se algo do meu pensamento interior, tal como tentei descrevê-lo, diz alguma coisa à vossa experiência docente tal como a tendes vivido e, se assim for, qual será para vós o significado dessa vossa experiência.
PARA ALÉM DO DIVISOR DE ÁGUAS: ONDE AGORA?
ROGERS, Carl (1980) in Um Jeito de Ser (São Paulo: EPU, 1987): Capítulo 6 da Parte III de O processo educacional e seu futuro.
1 – Neste capítulo, trato de vários assuntos relativos à educação humanística. Seu conteúdo reúne palestras que fiz a grupos de educadores, entre 1972 e 1979. Embora enfatize os progressos inovadores que estão ocorrendo, não subestimo a tendência atual ao conservador e ao tradicional.
2 – Um dos elementos que trago à tona é a dimensão do poder presente na educação. Demorei para reconhecê-la. Passaram-se muitos anos antes que eu percebesse por que meus trabalhos e meu modo de aconselhar e ensinar foram objeto de tanta controvérsia. Somente nos últimos anos percebi o quanto meus pontos de vista foram ameaçadores. Se aceitos, eles efetivamente reduzem o poder político de terapeutas ou professores, os quais não têm mais “poder sobre” outros indivíduos. Neste capítulo, procuro tornar mais clara a ameaça — para o administrador, para o professor e até mesmo para o aluno — contida numa abordagem centrada na pessoa quando aplicada à educação.
3 – Apresento também os resultados estimulantes de pesquisas recentes que comprovam a eficácia da aplicação da visão humanista à educação. O fato de sólidos esforços de pesquisa empreendidos por David Aspy, Flora Roebuck e seus colaboradores terem passado relativamente despercebidos nos meios educacionais deixou-me intrigado. Pergunto-me se é porque eles estão fazendo um novo tipo de pesquisa ou se os resultados são, novamente, ameaçadores demais. Não sei.
4 – No final do capítulo, deixei minha imaginação vagar pelas possíveis fronteiras futuras da aprendizagem, especialmente as fronteiras da investigação. Neste momento, meus pensamentos são um tanto “ousados” e podem surpreender a alguns leitores. Mas deixarei o capítulo falar por si.
Cruzando o divisor
5 – Estou convencido de que a aprendizagem inovadora, humanística, vivencial, seja dentro ou fora da sala de aula, chegou para ficar e tem futuro. Portanto, não vou somente protestar contra o que acontece em educação. Vou também fazer prospecções. Estamos além da fronteira. Vou explicar o que quero dizer com isso.
6 – Quando os primeiros exploradores e pioneiros puseram-se a caminho do Oeste, seguiram rios e cursos d’água. Por um longo tempo, viajaram rio acima, sempre contra a corrente, que se tornava cada vez mais rápida à medida que eles subiam colinas e montanhas. Então, chegou o momento em que eles ultrapassaram o divisor hidrográfico. A caminhada ainda era muito difícil, as correntes não eram mais que filetes d’água. Mas agora eles estavam deslocando-se com a corrente, que desaguava em rios mais fortes e maiores. Havia, então, forças poderosas trabalhando para eles, não mais contra eles.
7 – Creio que é aí que nos encontramos hoje, em matéria de educação. Ultrapassamos a linha divisória das águas. Agora, ao invés de uns poucos pioneiros solitários, encontramos um fluxo crescente em direção a uma educação mais saudável para os homens. Toda cidade tem suas escolas alternativas, suas escolas livres e suas classes abertas. Ao nível universitário, recebo cartas de professores de astronomia, matemática, engenharia mecânica, francês, química, biologia, psicologia, inglês — todos contando-me os passos dados na tentativa de permitir aos alunos liberdade para aprender, e as satisfações daí advindas. Os créditos acadêmicos têm sido dados até mesmo para aprendizagens realizadas fora da escola. Há ainda outros sinais de mudança. Faço parte de um programa no qual novecentos médicos educadores têm participado de workshops sobre a humanização do ensino médico. Atualmente, estão solicitando a ajuda de consultores na consecução dessa meta em suas diversas escolas médicas. Desabrocham universidades abertas, programas de estudo autônomo, faculdades que permitem aos alunos mais autonomia. Somos uma corrente que não pode mais ser ignorada na educação americana.
A política do poder
8 – Embora uma forma humana de educação tenha chegado para ficar, seguramente ela não é o tipo de educação predominante. Portanto, gostaria de examinar os dois polos de nossos modelos educacionais e a política implícita em cada um deles.
9 – Antes de prosseguir, preciso esclarecer o que entendo pela palavra “política”. Não estou, em absoluto, pensando em partidos políticos ou organizações governamentais. Estou usando o termo em seu sentido moderno. Ouvimos falar de “política da família”, ou “política de psicoterapia”, ou “política sexual”. Nesse sentido atual, creio que a palavra “política” se refere ao poder ou controle nos relacionamentos interpessoais e à luta das pessoas para conseguir esse poder — ou para renunciar a ele. Refere-se ao modo pelo qual as decisões são tomadas. Quem as toma? Onde é o locus ou centro do poder de tomada de decisões? “Política” diz respeito aos efeitos de tais ações orientadas para o poder sobre indivíduos ou sistemas. Portanto, quando emprego o termo “política”, tenho em mente esses significados.
O modelo tradicional
10 – Quando consideramos as características políticas da educação, percebemos que o modelo tradicional situa-se num dos pólos de um contínuo que tem em seu pólo oposto uma abordagem centrada na pessoa. Todo empreendimento educacional e todo educador podem ser localizados em algum ponto dessa escala. Você pode estar querendo saber onde você, ou seu departamento, ou sua instituição se encontraria, nesse contínuo.
11 – Examinemos, em primeiro lugar, a educação convencional, tal como a conhecemos há muito tempo nos Estados Unidos. Suas principais características, tanto do ponto de vista dos alunos como dos professores, são as seguintes:
12 – 1. Os professores são os possuidores de conhecimento, os alunos são os supostos recipientes. Os professores são os peritos; eles conhecem os seus campos. Os alunos sentam-se com caderno e lápis na mão, esperando pelas palavras sábias. Há uma grande diferença de status entre educadores e alunos.
13 – 2. A aula expositiva, ou outros recursos de instrução verbal, é o principal recurso para incutir conhecimentos nos recipientes. Os exames medem o quanto os alunos os adquiriram. Esses são os elementos centrais desse tipo de educação. Por que a aula expositiva é considerada o principal recurso do ensino? Para mim isto constitui um verdadeiro mistério. As aulas expositivas tinham sentido antes da publicação dos livros, mas a razão atual de sua continuidade quase nunca é explicitada. A ênfase cada vez maior nos exames também constitui um mistério. Com certeza, sua importância aumentou muito nas últimas décadas nos Estados Unidos.
14 – 3. Os professores são os detentores do poder, os alunos os que obedecem. (Os administradores também são detentores de poder e os professores e alunos os que obedecem.) O controle é sempre exercido de cima para baixo.
15 – 4. Dominar através da autoridade é a política vigente na sala de aula. Os professores novos são frequentemente avisados: “Consiga o controle de seus alunos logo no primeiro dia”. A figura da autoridade — o professor — é a figura central na educação. Ele ou ela pode ser muito admirado(a) ou menosprezado(a) como fonte de conhecimento, mas é sempre o centro.
16 – 5. A confiança é mínima. O mais surpreendente é a falta de confiança do professor em relação aos alunos. Não se espera que os alunos produzam satisfatoriamente sem a constante supervisão e fiscalização do professor. A desconfiança dos alunos para com o professor é mais difusa — uma falta de confiança nos motivos, na honestidade, na integridade, na competência do professor. Pode se estabelecer uma verdadeira relação entre um conferencista cativante e aqueles que estão sendo entretidos; pode haver admiração pelo professor, mas confiança mútua não é um componente digno de nota.
17 – 6. Os sujeitos (os alunos) são mais bem governados se mantidos num estado intermitente ou constante de medo. Atualmente não existe mais muita punição física, mas a crítica, o ridículo e o medo do fracasso, constantes nos alunos, são ainda mais potentes. Minha experiência tem-me mostrado que esse estado de medo aumenta à medida que subimos na escala educacional, pois o estudante tem mais a perder. Na escola primária, o indivíduo pode ser objeto de desprezo ou considerado burro. No secundário, a isso se acrescenta o medo de não conseguir se formar com as consequentes desvantagens vocacionais, econômicas e educacionais. Na faculdade todas essas consequências assumem proporções maiores e mais dramáticas. No nível de pós-graduação, a tutela exercida por um único professor catedrático aumenta a possibilidade de punições extremas, decorrentes de um abuso de poder. Muitos alunos pós-graduados não conseguiram obter seus títulos porque recusaram-se a obedecer ou a aceitar todas as vontades de seus professores orientadores. A posição deles assemelha-se à de um escravo, sujeito ao poder de vida e morte do seu senhor.
18 – 7. A democracia e seus valores são ignorados e desdenhados na prática. Os alunos não participam da escolha de suas metas, currículos ou estilos de estudo individuais. Escolhe-se por eles. Os alunos não tomam parte na escolha dos professores, nem têm voz na política educacional. Da mesma maneira, os professores geralmente não têm chance alguma de escolher seus diretores administrativos. Os professores, via de regra, não participam na elaboração da política educacional. Tudo isso está em surpreendente contradição com tudo o que se ensina sobre as virtudes da democracia, a importância do “mundo livre”, e outras coisas mais. As práticas políticas da escola estão na mais surpreendente contradição com o que é ensinado. Enquanto lhes é ensinado que a liberdade e a responsabilidade são gloriosas características de “nossa democracia”, os alunos se sentem impotentes, sem liberdade e sem praticamente nenhuma oportunidade para fazer escolhas ou ter responsabilidades.
19 – 8. Não há lugar para pessoas inteiras no sistema educacional, só há lugar para seus intelectos. Na escola elementar, a curiosidade impetuosa e a energia física transbordante, características da criança normal, são restringidas e, se possível, sufocadas. No ginásio e no colégio, um dos interesses oprimidos em todos os estudantes — o sexo e os relacionamentos emocionais e físicos decorrentes — é quase totalmente ignorado e certamente não é visto como uma área fundamental de aprendizado. Há muito pouco lugar para as emoções na escola secundária. Na faculdade, a situação é ainda mais extrema — apenas a mente é bem-vinda.
20 – Se vocês acham que esse panorama desapareceu ou que estou exagerando, basta recorrer ao Los Angeles Times de 13 de dezembro de 1974. Lá, veremos que a Universidade da Califórnia (incluindo todas as Universidades estatais — Berkeley, Universidade da Califórnia em Los Angeles e outras) está usando influências políticas para manter John Vasconcellos, um parlamentar estadual, afastado de qualquer comissão que se ocupe da política universitária. Vasconcellos, nos três anos precedentes, dirigiu, com distinção, um estudo legislativo sobre o ensino superior. E por que a Universidade está tentando mantê-lo à parte de tudo o que se refira à política universitária? Por causa de duas mudanças que ele defende: primeiro, ele quer destinar uma porcentagem do orçamento para programas educacionais inovadores. Os diretores universitários se opõem totalmente a isso. Mas a razão principal para esta oposição, segundo o Dr. Jay Michael, vice-presidente da Universidade, é que ele é a favor da inclusão da aprendizagem “afetiva e cognitiva”. Diz Michael: “Acreditamos… há um conhecimento independente e à parte do que uma pessoa sente.., e que o conhecimento acumulado pela espécie humana é cognitivo e pode ser transmitido, ensinado e aprendido. A pesquisa acadêmica é exatamente a busca desse tipo de conhecimento”. E continua: “Parece-nos que ele (Vasconcellos) gostaria de abandonar a aprendizagem cognitiva ou pelo menos diminuir sua importância a um nível inaceitável pela comunidade acadêmica”.
21 – Vasconcellos responde que valoriza as habilidades cognitivas, “mas também acredito que o componente afetivo, emocional.., é extremamente importante”. Ele acredita que as habilidades cognitivas deveriam vir associadas a um melhor conhecimento do eu e do comportamento interpessoal.
22 – A política dessa discordância é fascinante. O vice-presidente defende claramente a teoria “jarro e caneca” do ensino, segundo a qual o professor possui o conhecimento puramente intelectual e factual e o transfere a recipientes passivos. Dr. Michael sente-se tão ameaçado por qualquer possibilidade de mudança que se opõe a qualquer inovação nos procedimentos educacionais. Porém, mais ameaçadora do que tudo é a ideia de que os professores e os estudantes, sem distinção, são humanos, na medida em que vivenciam um componente emocional em todo conhecimento. Se isso fosse pelo menos parcialmente admitido, alunos e professores estariam numa situação de mais igualdade e a política da dominação seria enfraquecida. Essa é a posição de um alto funcionário de um dos “grandes” sistemas universitários em 1975! Ele é contrário à inovação, ele é contrário à aprendizagem da pessoa como um todo!
23 – Este quadro tradicional do ensino é extremamente comum. Tenho a certeza de que todos nós o presenciamos e o experienciamos. Agora, no entanto, ele não é mais visto como o e o único meio pelo qual o ensino pode se dar. O modo de aprendizagem humanístico, centrado na pessoa, orientado para o processo, progrediu muito. Isso justifica tentarmos descrever os aspectos característicos de tal aprendizagem em ação. Farei, a seguir, uma tentativa, sem perder de vista a política do empreendimento.
Os fundamentos de um centro de aprendizagem centrado na pessoa
24 – O primeiro aspecto fundamental é, basicamente, uma pré-condição. Os demais constituem características que podem ser vivenciadas ou observadas em qualquer escola, faculdade ou universidade onde a educação humanística tenha sido implantada.
25 – 1. Pré-condição. Os líderes, ou pessoas percebidas como representantes da autoridade na situação, são suficientemente seguras interiormente e em seus relacionamentos pessoais, de modo a confiarem na capacidade das outras pessoas de pensar, sentir e aprender por si mesmas. Quando essa pré- condição existe, os aspectos seguintes tornam-se possíveis e tendem a ser efetivados.
26 – 2. As pessoas facilitadoras compartilham com as outras — os estudantes, e se possível também os pais ou os membros da comunidade — a responsabilidade pelo processo de aprendizagem. O planejamento do currículo, o tipo de administração e de funcionamento, as finanças e a política são da responsabilidade do grupo envolvido. Assim, uma classe pode ser responsável por seu próprio currículo, mas o grupo todo pode ser responsável pela política global. Qualquer que seja o caso, a responsabilidade é sempre dividida.
27 – 3. Os facilitadores oferecem recursos de aprendizagem — de dentro de si mesmos, de suas próprias experiências, de livros ou de outros materiais ou de experiências da comunidade. Os alunos são encorajados a acrescentar recursos de que tenham conhecimento ou com os quais tenham experiência. Os facilitadores abrem as portas para recursos externos, à experiência do grupo.
28 – 4. Os estudantes desenvolvem seus próprios programas de aprendizagem, individualmente ou em cooperação. Explorando seus próprios interesses, defrontando-se com essa riqueza de recursos, cada um escolhe os caminhos que deseja percorrer no processo de aprendizagem e assume a responsabilidade pelas consequências dessas escolhas.
29 – 5. Cria-se um clima facilitador da aprendizagem. Nas reuniões da classe ou da escola como um todo, é evidente uma atmosfera de autenticidade, interesse e atenção. Esse clima pode provir inicialmente da pessoa percebida como líder. A medida que o processo de aprendizagem continua, ele é cada vez mais criado pelos próprios alunos uns em relação aos outros. Aprender uns com os outros torna-se tão importante quanto aprender nos livros e filmes ou com as experiências da comunidade.
30 – 6. O foco da aprendizagem é, primordialmente, a promoção da continuidade do processo de aprendizagem O conteúdo da aprendizagem, embora significativo, fica num plano secundário. Assim, um curso termina com sucesso não quando os alunos “aprenderam tudo o que precisam saber”, mas quando fizeram um progresso significativo na aprendizagem de como aprender o que querem saber.
31 – 7. A disciplina necessária à consecução das metas dos estudantes é a autodisciplina, e é reconhecida e aceita pelos alunos como de sua responsabilidade. A autodisciplina substitui a disciplina externa.
32 – 8. A avaliação da extensão e do significado da aprendizagem de cada aluno é feita primordialmente pelo próprio aluno, embora as auto-avaliações possam ser influenciadas e enriquecidas por um feedback cuidadoso de outros membros do grupo ou do facilitador.
33 – 9. Neste clima de promoção do crescimento, a aprendizagem tende a ser mais profunda, processar-se mais rapidamente e ser mais penetrante na vida e no comportamento dos alunos do que a aprendizagem realizada na sala de aula tradicional. Isso se dá porque a direção é auto-escolhida, a aprendizagem é auto-iniciada e as pessoas estão empenhadas no processo de uma forma global, com sentimentos e paixões tanto quanto com o intelecto. (Adiante, neste capítulo, descreverei algumas pesquisas que confirmam essa afirmação.)
A política de um ensino centrado na pessoa
34 – Talvez possamos analisar melhor as implicações políticas dessa abordagem refletindo sobre a definição dada anteriormente neste capítulo e tentando aplicá-la a este caso.
35 – Quem detém o poder e o controle básicos? Está claro que é o estudante ou os estudantes como grupo, incluindo o facilitador-aprendiz.
36 – Quem está tentando obter controle sobre quem? Os alunos vivem o processo de obtenção de controle do curso de suas próprias aprendizagens e de suas próprias vidas. O facilitador recusa-se a controlar os outros, mantendo o controle apenas sobre si mesmo.
37 – Quais as estratégias usadas em relação ao poder? Vejo duas. O facilitador propicia um clima psicológico no qual o aluno é capaz de assumir um controle responsável. O facilitador também ajuda a desenfatizar metas estáticas ou de conteúdo, encorajando assim uma centralização no processo, na vivência do modo pelo qual a aprendizagem se dá.
38 – Onde se encontra o poder de tomada de decisões? Tal poder está nas mãos do indivíduo ou indivíduos que serão afetados pela decisão. Dependendo do assunto, a escolha pode ficar a cargo de um aluno, ou dos alunos e facilitadores como grupo, ou pode envolver administradores, pais, membros do governo local ou membros da comunidade. A decisão do que aprender em um determinado curso pode estar inteiramente nas mãos de cada aluno e do facilitador. A decisão de construir um novo edifício envolve um grupo muito maior e deveria ser encaminhada desta maneira.
39 – Quem controla os sentimentos, o pensamento, o comportamento e os valores? Evidentemente, cada pessoa.
40 – Obviamente, a pessoa em crescimento, em processo de aprendizagem, é a força que detém o poder político nessa educação. O aprendiz é o centro. Esse processo de aprendizagem representa uma reviravolta revolucionária na política da educação tradicional.
Por que os educadores modificam suas políticas?
41 – O que faz com que os educadores se tornem facilitadores, afastem-se da educação convencional e aproximem-se de um tipo de aprendizagem centrada na pessoa? Em primeiro lugar, gostaria de mencionar minha própria experiência.
42 – Ao fazer aconselhamento e psicoterapia individuais, fui percebendo cada vez mais o quanto era satisfatório acreditar na capacidade do cliente para evoluir para a autocompreensão, para dar passos construtivos na resolução de seus problemas. Essas coisas aconteciam se eu criasse um clima facilitador no qual eu fosse empático, interessado e verdadeiro.
43 – Se os clientes eram dignos de confiança, por que eu não poderia criar esse mesmo tipo de clima com estudantes e estimular um processo autodirigido de aprendizagem? Essa questão me importunava cada vez mais. Então, decidi tentar na Universidade de Chicago. Esbarrei com uma grande resistência e hostilidade dos estudantes, superior às que eu vinha encontrando em clientes. Os comentários típicos eram do seguinte teor: “Pago um bom dinheiro por este curso e quero que me ensinem”, ou “Não sei o que aprender, o especialista é você”. Parte dessa resistência originava-se no fato de que há anos esses estudantes eram dependentes. Parte, acredito, era causada pelo fato de que provavelmente coloquei toda a responsabilidade na classe, ao invés de atribuí-la a todos nós. Certamente, cometi muitos erros. Algumas vezes, duvidei da sensatez do que estava tentando fazer mas, apesar da minha inabilidade, os resultados foram surpreendentes. Os alunos estudaram muito, leram em mais profundidade, expressaram-se com mais responsabilidade, aprenderam mais e puderam pensar mais criativamente do que em qualquer dos cursos anteriores. Persisti e gradualmente me aperfeiçoei como facilitador de aprendizagem. Verifiquei que não poderia mais voltar atrás.
44 – Nessa nova abordagem, fui muito encorajado pela experiência de outras pessoas. Cada vez mais professores escreviam-me, contando que estavam assumindo o risco de mudar suas abordagens, de deslocarem-se ao longo do contínuo que leva à abordagem centrada na pessoa. A experiência era muito ameaçadora para os professores que haviam ensinado da maneira convencional ou trabalhavam em escolas rígidas. Ainda assim, eles estavam descobrindo que era tão recompensador quando confiavam nos alunos que as satisfações compensavam em muito, a assustadora renúncia ao status e ao controle.
45 – À medida que eu e um número cada vez maior de outras pessoas experimentamos as satisfações decorrentes de um ensino centrado na pessoa, esse pequeno filete de educadores pioneiros acabou formando uma corrente altamente significativa nos empreendimentos educacionais atuais. Gostaria de mencionar algumas lições pessoais que aprendi a respeito desse tipo de passagem.
A ameaça
46 – Percebi gradualmente a terrível ameaça política contida na abordagem centrada na pessoa. O professor tem que enfrentar os aspectos ameaçadores da mudança de poder e de controle para todo o grupo de aprendizes, incluindo o até então professor, agora um aprendiz-facilitador. Abrir mão do poder parece aterrorizar algumas pessoas. A presença de um professor centrado na pessoa numa escola é uma ameaça para todos os outros professores.
47 – Conheço uma professora, uma perspicaz facilitadora de aprendizagem, que foi eleita pelos alunos como uma dos dois ou três melhores professores da faculdade. Ela acabou sendo demitida do corpo docente porque, repetida e decididamente, recusou-se a concordar em classificar os seus alunos segundo uma curva normal. Em outras palavras, ela recusou-se a garantir que iria reprovar uma certa porcentagem de seus alunos, independentemente da qualidade de seus trabalhos. Essa atitude foi tomada como prova de que ela não acreditava em padrões, pois na lógica circular vigente na escola convencional, os “padrões” significam, na prática, reprovar alunos. Na verdade, ela também estava dizendo: “Eu me recuso a usar as notas como instrumento de punição”. Ela não estava simplesmente derrubando os “padrões” mas enfraquecendo o poder punitivo do corpo docente. Isto representou uma ameaça tão perturbadora que eles tiveram que se livrar dela, embora embaraçados em tomar essa atitude. Este fato está longe de ser um incidente isolado. Na verdade, mostra como até mesmo um único indivíduo pode ameaçar todo um corpo docente.
48 – Uma coisa aprendi, tanto com minha experiência como com a de outras pessoas: é melhor estar com muita vontade de arriscar antes de tomar qualquer atitude que me faça desistir do controle. E melhor andar devagar, gradualmente, do que renunciar ao poder, ficar assustado e depois tentar retomá-lo: esta é a pior coisa que pode acontecer.
49 – Um segundo ponto a ser levado em conta é que a responsabilidade por si mesmos é tão assustadora para muitos estudantes quanto é assustador para o professor lhes dar esta oportunidade. Muitos estudantes que exigem ruidosamente mais liberdade, ficam totalmente confusos e sem ação quando se veem diante da possibilidade de uma liberdade responsável. Não estão preparados para escolher, para errar e arcar com as consequências, para suportar o caos da incerteza quando se propõem a escolher os caminhos que desejam seguir. Precisam do companheirismo e da compreensão do facilitador à medida que procuram juntos novos caminhos. Precisam de uma atmosfera de apoio que lhes permita errar e ainda assim se aceitarem e que lhes permita serem bem-sucedidos sem se sentirem competitivos.
50 – Os administradores também precisam da nossa compreensão. Numa cultura como a nossa que só entende o controle de cima para baixo, eles temem ser considerados fracos se confiarem nos professores, alunos e pais e colocarem o poder de tomada de decisões em suas mãos.
51 – E, no entanto, isto pode ser feito de forma estimulante e satisfatória, como o demonstraram as experiências realizadas em algumas escolas e alguns sistemas de ensino.
52 – Em suma, é preciso reconhecer que a transformação em direção a um ensino humanístico e centrado na pessoa constitui uma revolução em larga escala. Não se trata de simplesmente melhorar o ensino convencional. Mais que isso, envolve uma transformação radical na política educacional. Precisamos reconhecer esse fato. Gosto de me considerar um revolucionário pacífico. Há muitos professores incluídos nesta categoria. Precisamos encarar a sóbria responsabilidade desta nova política enquanto nos movimentamos com coragem e trabalho árduo em direção à realização da nossa visão revolucionária. Estamos trabalhando para uma democracia no ensino que atinja as suas raízes. Esta meta justifica todo o nosso esforço.
Questões pessoais
53 – O fato de termos cruzado o divisor de águas, de que não é mais suficiente ser simplesmente contra, traz consigo novas perplexidades para o educador. Suscita novos problemas relativos à política interpessoal na educação. Os professores ou administradores que estão se dirigindo para um ensino humanístico inovador estão se fazendo uma série de perguntas difíceis:
54 – Em que medida eu, lá no fundo, confio que os estudantes, num clima facilitador, possam se autodirigir? O que faço com a ambivalência que costumo sentir a esse respeito?
55 – Onde encontrarei satisfação? Será que preciso de satisfação imediata para o meu ego faminto? Ou será que posso encontrar recompensas para o meu ego no fato de ser um facilitador do desenvolvimento de outros?
56 – Como evitar me tomar um “devoto” rígido e dogmático da educação humanística? O “devoto” intolerante é uma ameaça a qualquer área, embora suspeite que todos nós tenhamos algumas dessas características. Acredito que tenho o melhor e definitivo método de ensino? Caso positivo, como superar esta posição?
57 – Como manter minha integridade e ao mesmo tempo manter uma posição num sistema filosoficamente oposto ao que estou fazendo? Trata-se de um problema extremamente difícil com que geralmente nos defrontamos.
58 – Não posso responder a essas perguntas. Cada educador deve achar sua própria resposta de uma forma pessoal, individual.
Há provas?
59 – Falei da superioridade da abordagem centrada na pessoa em educação, e certamente o leitor percebeu que sou viesado nesse sentido. Há alguma evidência que justifique essa pretensão e essa atitude? A resposta é sim. Há, sem dúvida, um corpo sólido de evidências.
60 – As pesquisas de David Aspy e seus colaboradores no Consórcio Nacional de Educação Humanizada estão apenas começando a ser conhecidas, mas as considero muito importantes. Por vários anos, Aspy coordenou uma série de pesquisas que tinham por objetivo verificar se uma sala de aula com características humanistas, centrada na pessoa, tinha efeitos passíveis de mensuração e, caso positivo, quais eram esses efeitos. Ele e sua principal colaboradora, Flora Roebuck, publicaram um relatório geral de seus resultados (1974a); com outros colaboradores, também escreveram uma série de relatórios técnicos de suas pesquisas (1974b).
61 – Como ponto de partida, Aspy tomou a hipótese básica que formulamos na terapia centrada no cliente, redefinindo um pouco os termos para aproximá-los do contexto escolar. A empatia (E) foi redefinida como a tentativa do professor de compreender o significado pessoal da experiência escolar para cada aluno. A aceitação positiva (AP) foi definida como as várias maneiras pelas quais o professor mostra respeito pelos alunos como pessoas. A congruência (C) não precisou ser redefinida: referiu-se à extensão na qual o professor é genuíno no relacionamento com os alunos.
62 – Inicialmente, o método consistiu em gravar horas de aulas. Foram desenvolvidas escalas de avaliação, que variavam de níveis baixos a níveis altos, dos diversos graus dessas três atitudes básicas, tal como se manifestavam no comportamento do professor. Baseando suas mensurações nessas três escalas, juízes não viesados mediram as “condições facilitadoras” exibidas por cada professor. Estas medidas foram então correlacionadas com os resultados obtidos pelos alunos em instrumentos como testes de aproveitamento, capacidade de solução de problemas, número de faltas às aulas e um grande número de outras variáveis.
63 – Uma vez estabelecida uma metodologia, os pesquisadores a aplicaram a uma escala previamente desconhecida. O relatório final revela que eles gravaram e avaliaram cerca de 3.700 horas de aula de 550 professores de escola primária e secundária! Estes estudos foram feitos em várias partes dos Estados Unidos e em vários outros países. Envolveram professores e alunos negros, brancos e mexicano-americanos. Nenhum outro estudo de magnitude comparável foi realizado até então. Os resultados obtidos por Aspy e seus colaboradores podem ser assim resumidos:
64 – 1. Houve uma nítida correlação entre as condições facilitadoras fornecidas pelo professor e o aproveitamento acadêmico dos alunos. Este resultado foi confirmado várias vezes. Os alunos dos professores de “alto grau” (os considerados “altos” quanto às condições de facilitação) tenderam a apresentar os melhores resultados na aprendizagem. Um fato digno de nota foi que os alunos dos professores de “baixo grau” podem, na verdade, ter sua aprendizagem prejudicada pelas deficiências do professor.
65 – 2. A situação mais favorável à aprendizagem foi aquela na qual os professores que mostravam altos graus de atitudes facilitadoras eram aprovados e supervisionados por diretores que também eram facilitadores de alto grau. Sob estas condições, os alunos apresentaram maior aproveitamento, não só nas matérias escolares, como também em outras áreas importantes.
Tornaram-se mais capazes de usar seus processos cognitivos mais elevados, tal como a capacidade de solução de problemas. (Isto ocorreu principalmente quando o professor apresentava um alto grau de aceitação e de respeito. A solução criativa de problemas evidentemente requer um clima facilitador.)
Seu autoconceito tornou-se mais positivo do que o de alunos de outros grupos.
Mostraram-se mais ativos em sala de aula.
Apresentaram menos problemas de disciplina.
Apresentaram um índice menor de faltas na escola.
Num estudo interessante, eles apresentaram até mesmo um aumento no QI. Neste estudo, vinte e cinco alunos negros de primeiro grau com professores de “alto grau” e vinte e cinco com professores de “baixo grau” foram submetidos a testes individuais de inteligência, a um intervalo de nove meses. O primeiro grupo revelou um aumento médio de QI de 85 para 94. No segundo grupo, os números foram 84 e 84 — não houve qualquer mudança.
66 – 3. Os professores podem melhorar seu nível enquanto facilitadores, com um treinamento intensivo bem planejado de 15 horas, que inclua experiências cognitivas e vivências. Considerando-se a influência comprovada desse tipo de atitude, é extremamente importante saber que ela pode ser aumentada.
67 – 4. O fato de que os professores apresentam melhoras nessas atitudes somente quando seus instrutores também as apresentam em alto grau é significativo para todas as áreas educacionais. Isto significa que tais atitudes “passam”, vivencialmente, de uma pessoa para outra. Não se resumam a conhecimentos intelectuais.
68 – 5. Os professores com alto grau de condições facilitadoras geralmente possuem outras características, tais como:
Seu autoconceito é mais positivo do que o dos professores com baixo grau de facilitação.
Revelam-se mais a seus alunos.
Respondem mais aos sentimentos dos alunos.
Fazem mais elogios.
São mais receptivos às ideias dos alunos.
Dão menos aulas expositivas.
69 – 6. Esses dados não variam em virtude de localização geográfica das escolas, da raça do professor ou da composição racial do corpo discente. Não importa se estamos falando de professores negros, brancos ou chicanos; de alunos negros, brancos ou chicanos; de classes no Norte, no Sul, nas Ilhas Virgens, na Inglaterra, no Canadá ou em Israel, os dados são essencialmente os mesmos. Aspy e Roebuck (l974a), após analisarem a enorme quantidade de dados colhidos, concluem o seguinte:
70 – Os resultados confirmam nossos dados iniciais, embora tenhamos podido burilá-los muito. Isto significa que as medidas das condições (E, C, AP) continuam a se relacionar positiva e significativamente com o desenvolvimento do aluno. Além disso, relacionam-se negativa e significativamente com a deterioração dos alunos, como por exemplo, com problemas de disciplina e atitudes negativas em relação à escola.
71 – Para mim, esses estudos comprovam, de maneira convincente, que quanto mais o clima psicológico da sala de aula for centrado na pessoa, mais a aprendizagem vital e criativa é incentivada. Esta firmação vale tanto para classes da escola primária como para a secundária. Necessita ainda ser investigada a nível da universidade, embora não haja razão para se supor que os resultados seriam muito diferentes. Assim, acredito ter deixado clara minha convicção de que a educação centrada na pessoa pode ser definida e é eficiente.
Uma possível ênfase da pesquisa
72 – Não sou tão ousado a ponto de prever o futuro desse novo modo de promoção da aprendizagem, a não ser para dizer que seu futuro terá consequências multifacetadas estimulantes, controvertidas e revolucionárias. No entanto, gostaria de expressar duas esperanças em relação a esse futuro.
73 – A primeira refere-se à pesquisa necessária a um maior conhecimento desta nova maneira de aprender. Acho que será um grande erro enfatizar a avaliação dos resultados de uma aprendizagem vivencial autodirigida. Neste sentido, gostaria de me valer de minha experiência de pesquisa em psicoterapia.
74 – Os terapeutas centrados no cliente foram pressionados — exatamente como os educadores inovadores o são atualmente — a provar que a nossa abordagem psicoterápica era eficiente. Gradualmente fomos realizando pesquisas cada vez mais sofisticadas para avaliar os resultados. Mas enquanto o único objetivo da pesquisa era esse, os resultados, embora mostrassem a eficiência do processo, eram sempre decepcionantes. Descobrimos, como poderia ter sido previsto, que alguns clientes eram mais bem-sucedidos que outros e que alguns terapeutas eram mais eficientes do que outros. Mas os estudos de avaliação não são heurísticos, não permitem progredir. Praticamente não oferecem pistas quanto aos elementos que precisamos conhecer para melhorar a terapia ou para entender o seu processo. Somente quando desenvolvemos hipóteses do tipo “se-então” é que pudemos começar a discernir que se certos elementos estavam presentes no relacionamento, então ocorriam determinadas mudanças construtivas. Se outros elementos estivessem presentes, as mudanças poderiam levar a uma deterioração ou a uma desintegração do comportamento.
75 – Esta é uma das razões pelas quais descrevi com tantos detalhes a pesquisa de Aspy. Pessoalmente, espero que a pesquisa caminhe nessa direção. Partindo de uma teoria bem desenvolvida do tipo “se-então”, Aspy investigou as relações entre elementos atitudinais antecedentes e uma grande diversidade de variáveis relativas aos resultados. Portanto, ele conseguiu, com seus dados, detectar os elementos que tinham um efeito positivo sobre a aprendizagem e os que tinham uma influência negativa. Consequentemente, o resultado final não foi apenas uma avaliação da aprendizagem, mas uma detecção pormenorizada de pontos específicos que deveriam ser enfatizados no treinamento de professores. A seguir, Aspy foi além, mostrando que através de treinamento os professores podem progredir nestas características específicas.
76 – Assim, espero que a pesquisa sobre o ensino inovador deixe em segundo plano a avaliação e privilegie hipóteses baseadas em teorias que nos permitam compreender as condições antecedentes associadas à eficiência ou ineficiência desse ensino.
Exploração do espaço interno?
77 – Até agora, senti-me, não sei se certo ou errado, bastante seguro a respeito do que falei. Agora é com alguma apreensão que gostaria de expressar uma segunda esperança, ainda não muito bem formulada em minha mente e indefinida em suas linhas gerais.
78 – Creio que a próxima grande fronteira da aprendizagem, a área na qual estaremos explorando novas possibilidades interessantes é uma região pouco mencionada pelos pesquisadores obstinados. E a área do intuitivo, do psíquico, do vasto espaço interior que se delineia à nossa frente. Espero que a educação inovadora se mova em direção à aprendizagem neste domínio basicamente não-cognitivo, nesta área que geralmente parece ilógica e irracional.
79 – Dispomos de evidências cada vez maiores, que não podem ser ignoradas, da existência de capacidades e potenciais da psique quase ilimitados e que estão praticamente fora do campo da ciência, pelo menos como a temos concebido. Parece óbvio, por exemplo, que um indivíduo que flutua num tanque de água morna, sem praticamente qualquer estimulação visual, auditiva, tátil, gustativa ou olfativa, não está experienciando nada. Mas o que acontece realmente? Um indivíduo nessas condições está sendo bombardeado por ricas imagens visuais, alucinações, sons imaginários e todo o tipo de experiências bizarras e provavelmente assustadoras, vindas de fontes desconhecidas de estimulação interna. O que isto significa? Parece que em nosso mundo interior está sempre ocorrendo algo que absolutamente não conhecemos, a não ser que eliminemos os estímulos externos.
80 – Ou, uma outra questão, um outro aspecto para se investigar: o corpo como um todo, o organismo total pode aprender algo que a mente não conheça, ou só aprende mais tarde? O que dizer dos relatórios bem fundamentados sobre a comunicação telepática entre os membros da tribo Masai, na Africa, bem como em outras tribos chamadas primitivas? Será que nossa civilização ocidental esqueceu o que eles sabem? Será que podemos saber, como eles parecem saber, quando estamos sintonizados com a pulsação do mundo? No livro clássico de Walters (1942), The Man Who Kiled the Deer, encontramos um relato de ficção, mas próximo da realidade, sobre essas capacidades. Creio que precisamos aprender mais a respeito de nossas capacidades intuitivas, nossa capacidade de sentir todo o nosso organismo.
81 – Um amigo meu está escrevendo um livro sobre sonhos parapsicológicos, após ter reunido e estudado vários desses sonhos. Por “sonho parapsicológico” entende-se um sonho sobre um acontecimento real que ocorre à distância do sonhador, sem que este tenha tido qualquer informação prévia a respeito, um sonho pré-cognitivo, que prevê um acontecimento que realmente ocorre. Por exemplo, uma conhecida minha teve um sonho (ou uma visão) no qual um parente seu estava prestes a morrer, num leito hospitalar no estrangeiro. Um telefonema confirmou que era verdade — o sonho correspondeu ao fato. Uma outra conhecida minha recebeu uma mensagem através da tabua de Ouija que previa “morte próxima”. A mensagem era ambígua quanto à pessoa, mas fornecia a data em que ocorreria a morte. Após dois dias da data prevista, seu irmão faleceu num acidente automobilístico.
82 – Acredito que muitas pessoas tenham tais sonhos ou pré-cognições, mas sistematicamente os deixamos fora da consciência. Mas se nós, ou alguns de nós, temos tais capacidades e habilidades pouco conhecidas, elas deveriam constituir um campo privilegiado de pesquisa.
83 – Não vou mais insistir no meu ponto de vista. Diria apenas que todo esse mundo intuitivo e psíquico está se abrindo a uma investigação séria e reflexiva. A revisão acadêmica sobre a intuição, realizada por Frances Clark (1973) e a cuidadosa pesquisa empreendida pelo Dr. Grof (1975) sobre as experiências internas, enigmáticas e desafiantes de indivíduos sob o efeito do LSD são dois exemplos disso. Há várias razões para se considerar as experiências internas dos indivíduos como um campo tão vasto e misterioso para a pesquisa quanto as incríveis galáxias e os “buracos negros” do espaço celeste. Estou simplesmente expressando a esperança de que educadores e alunos inovadores tenham a coragem, a criatividade e a capacidade de penetrar nesse mundo do espaço interior e de compreendê-lo.
Conclusão
84 – Tentei fazer um rápido levantamento dos novos aspectos que estão sendo e serão enfrentados por um ensino humano e inovador, à medida que ele se impuser como uma força social fundamental. Defini esta nova abordagem centrada na pessoa à aprendizagem como a percebo e a contrastei com a abordagem tradicional. Esquematizei algumas das maneiras pelas quais o educador está sendo e será desafiado, à medida que a educação inovadora se desenvolver.
85 – Geralmente não se discute a ameaça política às instituições que este progresso traz. Neste aspecto, enfatizei a enorme ameaça que a educação inovadora traz ao poder estabelecido.
86 – No campo da pesquisa, apresentei alguns dados recentes, muito pouco conhecidos, e também expressei a esperança de que a continuação da pesquisa não se limite à avaliação, mas procure diligentemente por relações do tipo se-então.
87 – Finalmente, aventei a possibilidade de que a próxima grande fronteira da aprendizagem esteja relacionada com as capacidades menos valorizadas na cultura ocidental — nossos poderes intuitivos e psíquicos.
Referências bibliográficas
Aspv, D. N. e Roebuck, F. N. From humane ideas to humane technology and back again many times. Education. Winter 1974a, 95(2), 163-171.
Aspy, D. N.; Roebuck, F. N. e col. Interim reports 1, 2, 3, 4. Monioe, Louisiana: National Consortium for Humanizing Education, 1974b.
Clark, F. V. Exploring intuition: Prospects and possibiities. Journal of Tranrpersonal Psychology, 1973, 5(2), 156-170.
Grof, S. Realmx ofthe human unconscious: Observationsfrom LSD reyearch.
New York: Viking Press, 1975.
Waters, F. The man who killed the deer. Chicago: Sage Books, The Swallow Press, 1942.
Fim dos textos reproduzidos de Carl Rogers.
DEVEMOS MELHORAR OU MUDAR A EDUCAÇÃO?
Para saber isso vamos conhecer as principais críticas feitas por pensadores da educação e refletir se nossas atividades estão sintonizadas com a mudança que está vindo, em especial agora que a sociedade está ficando mais interativa e com a inteligência artificial que vai se encarregar de muitas das tarefas que sempre foram executadas por nós. Mais um motivo para tentar descobrir quais são as características de uma aprendizagem tipicamente humana, que nunca poderá ser realizada por máquinas ou programas inteligentes.
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